Antonio Meneses, músico vitorioso que ganha biografia e CD

Trabalhos mostram como um violoncelista sem recursos conquistou o mundo

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Por Antonio Gonçalves Filho
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O violoncelista Antonio Meneses volta mais uma vez ao Brasil e, desta vez, não é só para ser o solista convidado da Osesp (de amanhã a sábado). Além dos concertos, em que toca Elgar e Shostakovich, o músico pernambucano, que mora na Suíça, veio prestigiar o lançamento de sua biografia Arquitetura da Emoção, escrita pelos jornalistas João Luiz Sampaio, do Caderno 2, e Luciana Medeiros. Ela será lançada hoje, na Livraria Cultura do Conjunto Nacional. Produzida em tempo recorde, entre janeiro e setembro deste ano, a biografia, publicada pela editora Algol, foi dividida em duas partes. Na primeira, os autores contam a vida do violoncelista - de sua chegada ao Rio, em 1959, à consagração europeia, passando pela partida solitária para a Alemanha, aos 16 anos. Na última parte, Meneses discute o repertório, a atividade como professor e a parceria com outros músicos - Nelson Freire e Menahem Pressler.

 

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As duas partes se interpenetram porque, no caso de Meneses, vida e obra se misturam. "É um livro sobre um artista em movimento, em transição", define Sampaio. "Mais que uma biografia, é o retrato de alguém que avalia tudo o que faz", conclui, definindo seu biografado como um músico particularmente interessado na lógica interna da partitura. Filho de um trompista de poucos recursos materiais, Meneses enfrentou um quartinho sem aquecimento em Stuttgart para estudar com professores europeus. Usou roupas doadas e tocou com violoncelos emprestados até sua consagração em solo europeu, após ganhar o concurso Tchaikovsky em 1982 - ele acabou gravando com Karajan e integrando o trio Beaux Arts.

 

Aluno do célebre violoncelista italiano Antonio Janigro (1918-1989), Meneses formou-se na rígida escola do milanês, o que fica evidente quando se ouve o CD gravado especialmente para acompanhar sua biografia. "É uma escola muito atenta à partitura", o que justifica o choque provocado pelo contato com Rostropovich, observa Sampaio. Meneses conta que o violoncelista russo abriu sua cabeça para a fantasia, para as metáforas, mas não conseguiu tomar o lugar de Janigro. "Quando uma ideia extramusical começa a se impor, em alguma medida a obra é deturpada", justifica o brasileiro no livro. Rostropovich, conclui, assumiu esse risco.

 

Com um repertório que vai de Bach a Lutoslawski, o violoncelista Antonio Meneses diz que a experiência de ter encomendado peças a compositores eruditos contemporâneos brasileiros rendeu, além das obras, uma reflexão sobre o atual momento da escrita musical no Brasil, que deixou aos 16 anos. Hoje morando na Suíça, ele retoma o contato com autores nacionais, como revela nesta entrevista, feita por telefone, antes de sua chegada ao País, onde toca com a Osesp e participa do lançamento de sua biografia, Arquitetura da Emoção, de João Luiz Sampaio e Luciana Medeiros. Na entrevista a seguir, ele fala da nova parceria com a pianista portuguesa Maria João Pires e do concerto - inédito - encomendado ao campineiro Marco Padilha.

 

 

 

 

Sua relação com a música erudita brasileira mudou nos últimos anos, a partir da encomenda dos seis prelúdios para as suítes bachianas. Você identifica uma nova tendência nela? Nunca pensou em compor?

De fato, essa relação mudou. Depois da introdução à Suíte nº. 6 de Bach, encomendei ao Marco Padilha um concerto para violoncelo e orquestra que ficou pronto há dois anos. Infelizmente, por causa da agenda, ainda permanece inédito. Quanto à tendência na música brasileira, notei a predominância do tonalismo em 80% das introduções às suítes bachianas encomendadas por mim, além do uso de elementos nordestinos, talvez como homenagem ao lugar onde nasci. Acho que os compositores brasileiros se afastaram um pouco do vanguardismo. Quanto a compor, não vejo a mínima possibilidade. É preciso um talento especial para isso.

 

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No livro, você conta que teria preferido estudar violino a violoncelo e que seu maior arrependimento foi o abandono do estudo formal. A música não preenche esse vazio?

Não tem a ver só com o abandono do estudo formal, mas com a abertura de sua mente para outras maneiras de pensar que ele proporciona. Nunca me imaginei em outra profissão, mas sinto falta de não ter concluído o estudo universitário.

 

 

Depois do trabalho com o trio Beaux-Arts e do duo com Nelson Freire, os projetos conjuntos parecem fora dos planos. Por quê?

Não abandonei os projetos conjuntos. Ainda me apresento regularmente com Menahem Pressler. Acabamos de fazer a integral das sonatas de Beethoven no Japão. Além disso, comecei a tocar em duo com a pianista portuguesa Maria João Pires, com quem farei uma turnê europeia no próximo ano, passando depois pelo Brasil. Ela mora a uma hora de carro de minha casa, o que facilita nosso contato.

 

A crise no mercado discográfico teve um desdobramento negativo no mundo erudito. Seus compromissos com concertos têm aumentado em função dos problemas da indústria fonográfica?

Não vejo essa falência na indústria fonográfica. Ao contrário. Houve uma expansão dos selos e uma quantidade enorme de CDs chegando ao mercado, antes dominado apenas por três gravadoras. Hoje, o consumidor tem a opção de escolher entre centenas de gravações.

 

Jacques Morelenbaum enveredou por outros caminhos, fundindo sua experiência erudita com experimentações ao lado de músicos pop como Ryuichi Sakamoto. Você já se sentiu tentado a fazer a mesma experiência?

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Morelenbaum já não toca mais Dvorák, mas nunca me ocorreu seguir seu caminho. Já pensei em experiências semelhantes, mas exclusivamente dentro de um estilo clássico.

 

Você diz que não tem talento para regência, mas não acha normal a evolução de solista para maestro, como Baremboim?

Não, não é uma evolução normal, porque a regência, como disse, exige um talento especial. Eu posso ficar à frente de uma orquestra e reger, mas isso não me transforma num maestro. Ser regente é outra história. O bom regente é aquele que não precisa dizer nada, como Claudio Abbado. Ele pouco fala durante os ensaios, mas seus gestos dizem tudo.

 

Um aspecto importante discutido no livro é a relação do solista com os compositores que toca. Com qual repertório e autores você mais se identifica?

O repertório para violoncelo é pequeno, falha que tem sido corrigida pelos compositores contemporâneos, entre eles o falecido Lutoslawski, hoje um clássico. De qualquer modo, dependemos dos compositores e hoje eles estão enveredando pelo tonalismo, um caminho mais fácil para se obter sucesso.

 

Você vem de uma família de poucas posses de Pernambuco. Como vê a polarização da política nacional, dividida entre eleitores do Nordeste e Sul/Sudeste?

Espero que no futuro essa diferença não seja tão grande a ponto de dividir o Brasil. De qualquer modo, é uma fase importante essa, a da descoberta pelo povo, das pessoas mais humildes, do poder que tem seu voto.

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Antonio Meneses: Arquitetura da Emoção - Autores: João Luiz Sampaio e Luciana Medeiros. Editora: Algol (224 págs., R$ 70). Local: Livraria Cultura. Av. Paulista, 2.073, 3170-4033. Quarta, 27, às 19h.

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