Antonio Meneses e Menahem Pressler, mestres em concerto

Violoncelista e pianista lançam álbum com sonatas de Beethoven e as tocam ao vivo no festival Folle Journée

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Por João Luiz Sampaio
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E o violoncelo jamais foi o mesmo. "Antes das sonatas de Beethoven, não existia nada igual escrito para o instrumento", diz o violoncelista Antonio Meneses. Não por acaso, elas são presença constante no repertório dos artistas, que no palco ou no estúdio se dedicam a uma vida inteira de interpretações. E o músico pernambucano não foge à regra. Acaba de gravar as cinco sonatas ao lado do pianista Menahem Pressler (lançamento nacional pelo selo Clássicos) e, no sábado e domingo, as interpreta no Rio, parte da programação do festival Folle Journée, que começa nesta quarta-feira, 4, e até o fim de semana ocupa 7 palcos da cidade com 48 concertos.   Veja também: Ouça entrevista com o violoncelista Antonio Meneses   "Mozart escreveu sonatas para violino, Bocherini e Vivaldi escreveram peças para violoncelo, mas não há nada que se equipare à importância que Beethoven dá ao instrumento", diz Meneses. "A intensidade dessas peças não é o único aspecto a ser considerado. Ao longo delas, escritas durante enorme período da vida do compositor, fica clara a maneira como ele ganha familiaridade com o violoncelo, dando voz cada vez mais pessoal a ele", completa Pressler. As sonatas não servem apenas para evidenciar o gênio de Beethoven - podem também revelar o talento de dois intérpretes e, mais importante, a maneira como dialogam sobre o palco. E aí, não dá para duvidar - Meneses vive o melhor momento de sua carreira.   No seu caminho até aqui, Pressler foi figura fundamental. O pianista americano é um dos criadores do Trio Beaux-Arts, que completou recentemente 50 anos de atividade. Sem abrir mão da carreira de solista - no fim de semana ele atuou em concertos da Sinfônica Brasileira, no Rio -, ele dedicou a vida artística a explorar as sutilezas da música de câmara, na qual o objetivo a ser alcançado é a união honesta e direta de artistas diferentes em torno de uma meta musical comum. Nos anos 90, a formação original do Beaux-Arts se desfez e Pressler saiu em busca de substitutos. Encontrou Meneses e, mais tarde, o violinista Daniel Hope. Além da atuação no trio, que está encerrando suas atividades, Pressler e o brasileiro têm viajado o mundo tocando em duo. O pianista se refere a Meneses como um intérprete sensível, "um grande músico". E o violoncelista dá a medida da influência do mestre ao falar sobre como sua interpretação das sonatas mudou ao longo dos anos. "Quando aprendi essas peças, pode-se dizer que as aprendi como violoncelista, do ponto de vista do violoncelo. Interpretando-as com o Menahem, a visão é mais ampla, passei a ver as sonatas como música de câmara. A técnica, claro, é fundamental para atingir objetivos musicais. Mas com Pressler o que acontece é uma conversa entre instrumentos e o verdadeiro objetivo é mostrar ao público a partitura na sua totalidade, como uma só voz e não como duas vozes separadas", diz.   E o que diz essa voz? Pressler propõe uma leitura interessante, segundo a qual é preciso pensar o que motivava Beethoven a compor. "Beethoven compreendia o sofrimento do homem. Era um humanista, acreditava na igualdade entre todos e na possibilidade de diálogo e entendimento. Quando ouvimos suas sinfonias, em especial as do fim de sua carreira, como a Nona, o vemos falando com a humanidade como um todo - é como se sua música construísse um grande edifício de um novo mundo e convidasse as pessoas a habitá-lo. Nas sonatas, no entanto, ele não fala com as massas. Aqui, seu interlocutor é o indivíduo. Ele reproduz uma enorme gama de emoções nessa partitura, sem jamais deixar surgir uma oposição entre clareza e sensibilidade e perder de foco sua mensagem de diálogo." Na conversa do Estado com Meneses, surge a interpretação de Pressler. Ele concorda? "Nunca falamos disso mas, desde já, não vejo a hora de chegar ao Rio para discutir essa idéia com ele."

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