Análise: Racionais MC's criaram um momento histórico

Mano Brown e seus parceiros viabilizaram o rap para que, mais do que o samba e o punk, ele se tornasse rota alternativa cultural, social e econômica tendo como matéria prima a indignação de um povo

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Por Julio Maria
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Uma lógica perversa e invisível sustenta as melhores lavouras no rap. Quando tudo vai mal, ele se fortalece. Vira a voz para uma população à margem dos contratos sociais e tem seu discurso legitimado pelas páginas dos jornais. Quando tudo vai bem, ou ameaça ir, ele passa por mutação. Sai dos padrões, abandona a rima do vitimismo e se espalha pela festa.

Mano Brown com os Racionais na Virada Cultural de 2013 Foto: WERTHER SANTANA/ESTADÃO

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Os Racionais MC’s surgiram do embrutecimento do início dos anos 90, como resultado catártico de décadas sob a sensação da impotência e do silêncio vivida por jovens colocados à margem do jogo social. A crônica do samba, mesmo denunciadora, não tinha a mesma tensão na base que desse conta de tanta ira. A linguagem dos punks, mesmo combativa, carecia de clareza e abrangência de massa. Os Racionais viabilizaram o rap para cumprir uma função histórica a partir do início dos anos 1990. O poder de comunicação junto a um público muito bem definido e a verossimilhança de um discurso com personagens cinematográficos divididos pelo bem e o mal criaram um fenômeno social e artístico que os tornaram tão importantes quanto qualquer outro momento histórico na música brasileira.

Um indígena de 25 anos chamado Kevin caminhava com o repórter por sua aldeia em Dourados, no Mato Grosso do Sul, quando disse algo surpreendente: “Foi com os Racionais que eu descobri que poderia protestar.” Ele tem um grupo de rap, inspirado no grupo do Capão Redondo, que canta em tupi guarani. É assim que denuncia os donos de terra que tentam expulsar de uma reserva sua família a tiros. Mais do que musical, o efeito criado por Brown, KL Jay, Ice Blue e Edi Rock se tornou rota alternativa. Ver que Brown deu certo, um legítimo filho do Capão, traz mais esperanças aos garotos do que salas de aula, projetos sociais, horas de exposição diante de discursos presidenciais.

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