Análise: Dick Farney e sua voz suave, piano perfeito e elegância a toda prova

Dick ia devagarzinho, no registro baixo, de afinação total. Fazia isso com a música americana e com a brasileira.

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Por Luiz Zanin Oricchio
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Farnésio Dutra ninguém sabia quem era. Mas Dick Farney era uma figura muito conhecida no Rio de Janeiro pré-bossa nova. Dick era de boa família, educado, pianista clássico e, acima de tudo, fanático pela boa música norte-americana. A natureza deu-lhe voz de veludo (voz “de travesseiro”, se dizia na época), que ele aperfeiçoou com estudo. Tocava muito bem, tinha gosto musical impecável e era bem informado. Abriu uma vertente particular no país tropical, a do cantor sofisticado, suave, sem arroubos, sem vibratos desnecessários. Exato oposto do que passava por técnica em sua época. O Brasil tinha preferência por intérpretes exuberantes, que sustentavam as notas por tempo indefinido, os dós de peito que eram sinônimos de emoção.

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Dick ia devagarzinho, no registro baixo, de afinação total. Fazia isso com a música americana e com a brasileira. Chegou a morar nos Estados Unidos, tocou com Nat King Cole e Bill Evans. Fez sucesso com a gravação de Tenderly. Quando ninguém esperava, voltou ao Brasil a tempo de surfar a onda da bossa nova, já em formação na linha do horizonte. Antes disso, já registrara gravações antológicas de música brasileira, como a de Copacabana, de João de Barro e Alberto Ribeiro. Interpretou Caymmi (Marina) e ficou famoso, para todo o sempre, pelo dueto com a alma gêmea, Lúcio Alves, em Tereza da Praia, de Tom Jobim e Billy Blanco.

A voz, a apresentação, o piano de Farney eram sinônimos da elegância de certa cena carioca. Não era ainda a voz da bossa nova. Esta viria com a síncope original de um baiano de Juazeiro, João Gilberto. Mas a verdade é que a bossa nova caiu tão bem em Dick Farney quanto um dos seus ternos bem cortados.