'Alucinação', de Belchior, completa 40 anos em 2016 e músicos revisitam clássicos com show inédito

Teago Oliveira, Hélio Flanders, Pélico e Dani Black se apresentam nesta quinta em SP

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Por João Paulo Carvalho
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Teago Oliveira toca levemente os acordes. Acompanhado pela banda, canta com precisão os primeiros versos de Tudo Outra Vez. Equilibra bem os graves e os agudos. Não quer parecer tão pretensioso. Interpretar uma composição de Belchior, por si só, já traz um peso imensurável. No canto esquerdo do estúdio, localizado na zona oeste de São Paulo, Hélio Flanders (Vanguart), Dani Black e Pélico observam com atenção a performance do amigo. Eles conversam bem baixinho, palpitam e, no fim, esboçam aquele sorriso.  A leveza do primeiro ensaio em uma quente e ensolarada tarde reflete bastante a essência do projeto Velha Roupa Colorida, que homenageará o cantor e compositor Belchior, nesta quinta-feira, 25, às 21h, no Sesc Pinheiros. Motivos não faltam para prestar tributo a um dos maiores compositores da música popular brasileira. Daqui a três meses, em maio de 2016, o disco Alucinação, trabalho mais emblemático do cearense, completa quatro décadas. Em outubro, mais especificamente no dia 26, Belchior fará 70 anos. “Todo mundo na minha casa ouvia. Sua poesia latente continua me inspirando diariamente. 2016 será recheado de homenagens”, diz Teago, vocalista da banda Maglore e um dos idealizadores do show. Efemérides à parte, nenhum dos clássicos da música popular brasileira é tão atual quanto Alucinação. O disco lançado traz um imponente discurso social escondido nas metáforas das 10 faixas do álbum. As composições externam as incertezas efervescentes e os conflitos impetuosos da alma do cearense Antônio Carlos Gomes Belchior Fontenelle Fernandes. Questionamentos estes que poderiam ser de qualquer pessoa. As indagações atormentadas de Belchior tocam até mesmo o coração de quem cresceu ao som das guitarras mais barulhentas de riffs estridentes. 

A banda. Hélio (E), Teago, Dani, Xuxa e Pélico (D) Foto: Daniel Teixeira|Estadão

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De Velha Roupa Colorida a Sujeito de Sorte, Belchior jamais amenizou suas críticas. Nem quando foi censurado na ditadura militar. A poesia serena e ao mesmo tempo agressiva de Alucinação, que completa 40 anos em 2016, dá um tom mais ameno ao cotidiano pesado dos cidadãos. Belchior fez de Alucinação sua grande obra-prima. O disco é um dos pilares centrais para entender a cultura brasileira. “Acho que o Alucinação é essencial para qualquer pessoa. Um dos discos fundamentais de qualquer amante da música”, afirma o tecladista Xuxa Levy, que assina o projeto Velha Roupa Colorida ao lado de Teago e faz a direção artística e musical do show. Apesar da importância de Alucinação, o repertório do show, no entanto, não deve conter apenas músicas do emblemático trabalho de 1976. O set também deverá contar com clássicos da longa trajetória do músico, incluindo sucessos de Coração Selvagem (1977) e Todos os Sentidos (1978). “Na maioria das músicas que serão tocadas na apresentação, os arranjos são bem semelhantes aos originais, mas alguns foram alterados para dar uma linguagem mais atual ao projeto”, afirma Xuxa Levy. Influência. Teago, Dani, Pélico e Hélio, os quatro vocalistas do show, não tiveram trabalho para fazer a divisão das músicas. Cada um soube escolher com perfeição a composição que mais lhe chamava a atenção. Tudo Outra Vez, por exemplo, se encaixou melhor na voz e no sotaque baiano de Teago. “A gente conhece tanto a obra do Belchior que isso não foi um problema. A escolha foi natural. Crescemos ouvindo esses clássicos”, lembra ainda Hélio.  A influência de Belchior na sonoridade dos quatro músicos é notória. O jeito de cantar, a forma suave de fazer os acordes: sua musicalidade sempre esteve presente no DNA do quarteto, seja em seus trabalhos solos ou na estrada com suas respectivas bandas (Vanguart, Maglore e 5 a Seco). “Desde o início fiquei animado com o projeto. Digamos que eu tenha sido até um pouco ansioso para realizá-lo. Liguei para o Xuxa (Levy) e disse que estava a fim de produzir e coordenar algo grandioso. Ele topou na hora”, conta Teago. Além dos quatro vocalistas e de Xuxa Levy nos teclados, a banda é formada por Davi Gomes (bateria), Dudinha Lima (baixo), Regis Damasceno (guitarra elétrica e violões), Denilson Martins (sax e flauta) e Will Bone (trombone e trompete). “Tivemos um bom entrosamento logo de cara. Se a apresentação vai ajudar a encontrar o Belchior (leia mais ao lado), eu não sei, mas se ele ficar sabendo, já vale muita coisa para a gente. Queremos externar mais a importância do Belchior”, explica Xuxa.A última aparição de Belchior

Apelos de amigos e familiares, promessas de pagamento de dívidas por empresários e uma nova geração ansiosa por ver Belchior no palco parecem não ter sido o suficiente para convencê-lo a retomar as atividades profissionais. Há sete anos, o cantor deixou São Paulo, onde morava. Parecia anunciar que uma nova mudança, em breve, iria acontecer. Ele passou por várias cidades brasileiras e pelo Uruguai, deixando um rastro de dívidas em hotéis, ao lado da companheira Edna Prometheu. Houve ainda processos para pagamentos de pensão alimentícia e dívidas trabalhistas.

Belchior Foto: Reprodução

O programa de TV Fantástico chegou a localizá-lo em agosto de 2009, na cidade de San Gregorio de Polanco, no Uruguai. Ele afirmou que estava trabalhando na tradução para o espanhol de sua obra completa e prometeu um álbum de músicas inéditas “para o próximo ano”, o que nunca ocorreu. Seu último álbum de novidades foi Bahiuno, lançado há 23 anos. Depois disso, só álbuns com regravações. 

Belchior foi visto em público pela última vez em 2013 em Porto Alegre. Não há notícias sobre seu paradeiro atualmente. Com sua ausência dos palcos e das gravações, os jovens que ele retratou tão bem em suas canções assumem a missão de avalizar um cancioneiro importante da música brasileira.

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