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Trama policial revisita a Londrina dos anos 30

Primeira incursão no romance de Rodrigo Garcia Lopes, 'O Trovador' cria uma intriga labiríntica que se passa na colonização do norte do Paraná

Por Moacir Amancio
Atualização:

À intriga labiríntica de O Trovador, romance policial escrito pelo poeta e tradutor Rodrigo Garcia Lopes, associa-se um episódio real pouco lembrado: a colonização do norte do Paraná, a partir de Londrina, nome inspirado em Londres. Aí está a deixa fundamental para que o autor criasse uma trama complexa, interessante e original na clave do multiculturalismo. Estão envolvidos no imbróglio desde o rei da Inglaterra e outros nobres, até nazistas atuantes no sul do Brasil, tramoias bancárias, assassinatos, adultérios, o japonês, o italiano, um russo, espionagem, refugiados judeus, prostituição, assuntos literários, paixões, tolices, etc. Mesmo abundantes e díspares os ingredientes se integram à narrativa, enriquecendo-a de nuances destinadas a surpreender e a manter o suspense no ar. O escritor tinha a clara consciência de que estava diante de um jogo de regras conhecidas e perigosas, basta qualquer deslize e a estrutura interna se desfaz. Enfim, um romance policial precisa ser montado como uma máquina irretocável, um jogo de arte literária pura, em seus modelos ideais. E há outros aspectos a serem considerados.

Ninguém poderá acusar o autor de negligente. Observa-se o cuidado que dedicou a O Trovador, apoiado em pesquisa atenta e apurando a técnica ficcional presente nos mestres do gênero. O início, porém, que tem por cenário a Londres dos nobres, é um tanto pesado, com excesso de palavras, e pode afastar leitores que não estejam dispostos a apostar pelo menos até a página 80, quando a ação dispara. 

Garcia Lopes. Obra foi escrita com base em profunda pesquisa histórica Foto: Jacqueline Sasano/Divulgação

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O excesso de palavras anuncia uma opção contrária à moda de seguir Rubem Fonseca, um mestre da linguagem, e a novela policial norte-americana, algo saudável, no entanto a pergunta é inevitável: será que a escolha foi acertada na medida? Porque o descrito pede mais rapidez, menos detalhamento, daí a tensão durante a leitura, afetada pelo descompasso entre o ritmo da “história” reduzida aos fatos e a calibragem com a narrativa, que não deve prendê-la e sim acompanhá-la em sua dinâmica potencialmente eletrizante. O desajuste do tom tende a se diluir rumo ao final do livro, mas já pode ser tarde demais. 

Nesse jogo, desta vez, o fabulador parece vencer o escritor. Entre equívocos e acertos, destaque-se a criação de uma personagem dominadora pela ausência e a abertura do final. Engana-se quem pensar que uma solução sirva para desfazer todo o mistério. Há dicas de que algumas histórias podem ter prosseguimento, enquanto outras ficarão nas sombras. Adam Blake, o “detetive” improvisado, na verdade um tradutor meio trapalhão que às vezes exagera no uísque, no vinho ou na cachaça, e sofre com as culpas, mostra-se, no entanto, bastante romântico e simpático para se apaixonar por uma prostituta inconformada e não desistir do futuro, sem esquecer os pequenos desastres e as hecatombes sempre à espera nestes tempos azarões. 

MOACIR AMÂNCIO É PROFESSOR DE LITERATURA HEBRAICA NA USP, AUTOR DE ATA (REUNIÃO DE POEMAS, RECORD) E YONA E O ANDRÓGINO – NOTAS SOBRE POESIA E CABALA (NANKIN/EDUSP)

O TROVADOR

Autor: Rodrigo Garcia Lopes

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Editora: Record (406 págs., R$ 45; R$ 31 o e-book)

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