Rapper angolano e freira brasileira falam sobre ditadura na Flip

Escritores Luaty Beirão e Maria Valéria Rezende protagonizaram mesa de debates para falar sobre suas experiências com a repressão

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Por Ubiratan Brasil
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O escritor e rapper angolano Luaty Beirão fala sobre literatura e resistência Foto: Walter Craveiro

A escrita como forma de resistência motivou o encontro entre Maria Valéria Rezende e o rapper e escritor angolano Luaty Beirão, na tarde de sábado, 29, penúltimo dia da 15ª Festa Literária Internacional de Paraty. Ambos têm história com prisão (enquanto Maria Valéria ainda hoje faz muitos trabalhos comunitários, Beirão foi preso diversas vezes, chegando inclusive a fazer uma greve de fome durante uma detenção), o que valorizou o poder da palavra.

“Vivia sozinho em um cela, portanto a escrita era uma forma de conversa”, conta Beirão que, em 2015, foi preso com outros colegas em seu país, pelo regime de José Eduardo dos Santos, que está há 38 anos no poder. “Os livros eram minha companhia; as palavras, meu desabafo”, contou ele, que fez uma greve de fome durante 36 dias. No ano seguinte, em liberdade condicional, publicou Sou Eu Mais Livre Então (Tinta da China), seu testemunho de resistência. “As palavras têm o poder de transformar o ser e o estar de uma socidade”, comentou.

Maria Valéria Rezende, freira, ativista e escritora, participa de mesa na Flip com o angolano Luaty Beirão Foto: Walter Craveiro

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Maria Valéria Rezende construiu uma valorosa história de resistência durante a ditadura militar brasileira, ação que a levou à Igreja – desde 1965, ela é freira da Congregação de Nossa Senhora. Em seu trabalho, depois de passar por vários países, instalou-se no interior de Pernambuco, onde começou a recolher histórias – anotando ou filmando os depoentes com uma câmara de super 8. “Eu também escrevia para poder ler, carregando as memórias de pessoas para outras comunidades”, comenta. “Contar e ouvir histórias fazia parte do meu cotidiano.” Parte de suas lembranças está no livro Outros Cantos (Alfaguara), lançado no ano passado, no qual resgata seus momentos dos anos de chumbo.

Ao final do encontro, Beirão, cujos livros são proibidos de circular em Angola (uma parte está presa na alfândega), mostrou sua capacidade de resistência oral ao cantar um rap, criado a partir das mudanças em sua vida provocadas pelo nascimento de uma filha. “O rap é a forma mais mordaz que existe na comunicação, pois suas letras vão direto ao assunto, tocando na ferida”, disse ele, ovacionado pela plateia presente à Igreja da Matriz.

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