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Provocação marca as novas obras de Luci Collin e Valerio Oliveira

A paranaense e o paulista têm em comum o humor e a certeza de que a literatura é espaço de desestabilização

Por Wilson Alves Bezerra
Atualização:

Enquanto o mercado literário se move com best-sellers e livros em prosa cujo objetivo é contar histórias, outra literatura se produz. Ao longo dos tempos ela é diversa – marginal, experimental, vanguardista, politizada, hermética – mas persiste. Neste início de 2016, dois autores, já maduros, deixam suas marcas. A paranaense Luci Collin e o paulista Nelson de Oliveira têm em comum, em seus novos livros, a provocação, o humor e a certeza de que a literatura é espaço de desestabilização – seja do nome próprio, dos gêneros ou do cânone.

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Collin, que bebeu das águas de Hilda Hilst, mas também da academia – é professora de Letras na UFPR –, constrói as prosas curtas de A Árvore Todas misturando discursos e registros, recombinando frases e significantes, numa escritura, sobretudo, cerebral: “Já que não domino terminologias, acabamos por construir um diálogo um decálogo um dia a dia um ditirambo um diagnostico palpável” diz-se em Sexo Como Ninguém, alternando devaneios kantianos e diálogos triviais do cotidiano sexual.

Noutro bom momento, “Isto é literatura feminina ou seja (autoretorto)”, uma voz feminina dirige-se ao leitor ignorando as convenções literárias, bem ao gosto da autoficção contemporânea: “Você sabe como eu me chamo já que viu na capa deste livro e eu tenho uma irmã que se chama REGINA”, para instaurar um presente incômodo: “Eu não estou INVENTANDO nem um pouco. Sou uma mulher que neste momento está escrevendo. Em outros momentos, eu estou fazendo coisas de mulher”. As provocações são sempre divertidas e certeiras, sem cavilações: “De acordo com as estatísticas, hoje em dia as coisas são mais fáceis porque se uma mulher casada e com vários filhos quiser ter um amante ela pode deixar comida CONGELADA num freezer (...) Mas sobre mulheres terem duas famílias ao MESMO tempo ainda não li nenhum artigo”.

O novo livro de Nelson de Oliveira – crítico, antologista e narrador premiado – é, na verdade, um livro de poemas de Valerio Oliveira. Enquanto muitos buscam construir um nome e consolidar uma carreira, o autor em questão quer a multiplicidade e sua obra tem orbitado em torno a uma plêiade diferentes personas: Nelson de Oliveira, Luiz Brás, Teo Adorno e Valerio Oliveira. Não pensemos na heteronímia ibero-americana, aqui não há mística e não se vela qualquer identidade: há sobretudo humor na escritura de todos os engendrados.

Valerio Oliveira lança, pois, fazendo eco à sua multiplicidade, O ser humano na era de sua reprodutibilidade tática. Há poemas que falam sobre o mundo contemporâneo: títulos como SAC e Malditos Parasitas do Poder Público dão a medida dos textos que, felizmente, não incorrem no panfleto. No poema Roubar Um Banco e Fazer Amor, a descrição dos dois atos se inverte, em saborosa exaltação do amor e do crime: “Roubar um banco requer doses iguais / de contração e descontração, razão e tesão / Uma jacuzzi e um filme erótico / também são bem-vindos”.

Valerio Oliveira. Eco à sua multiplicidade Foto: Felipe Rau|Estadão

O insólito está presente, como em: “Maria começou a chover e seu dilúvio / afagou minha cabeça, minhas costas” (em Maria Chovia). Há no conjunto dos poemas, porém, um anticlímax, que não se dá a ver em Luci Collin. A curitibana parece não se importar com a legibilidade de sua obra. Já Oliveira, por vezes, padece do que se poderia chamar, desvirtuando Harold Bloom, de a angústia do poeta irônico: embora os poemas sejam paródicos e mordazes, há um gesto do poeta que causa estranheza. Refiro-me a alguns versos finais que sobram, pelo caráter explicativo: o poema Ordem e Desordem – uma reescritura distópica de Amor/77 de Cortázar – que poderia fechar com o sugestivo verso “Um risco fumegante começa a dividir o céu sem nuvens”, alonga-se com o fecho explicativo: “Tudo em ordem para a desordem do fim do mundo”. Os poemas Maria Chovia, Demasia, Ride, Ridentes também padecem de tais sintomas. Aparentemente, não se trata de inabilidade lírica do jovem Valerio. Ao fim do livro, há uma pista: uma nota angustiada na qual se diz que “É pena que a ironia esteja desaparecendo da literatura brasileira. (...) Décadas atrás, desconfio que esta nota teria sido desnecessária. Hoje ela é fundamental”. Segue-se uma lista de fontes dos textos, os trechos citados ou embaralhados. O poeta Oliveira sofre é de descrença.

Collin, por sua vez, agride o leitor, desconstruindo convenções literárias. Em tal aspecto, a curitibana se filia a Hilda Hilst que, em meados dos anos 1990, nas crônicas dominicais do Correio Popular, de Campinas, ao citar um autor culto, dizia ao leitor: “Informe-se”. Ambos os autores nos falam, à sua maneira, de um gesto de resistência na literatura contemporânea. Para concluir, cabe citar um trecho histiano que coloca em cena o paradoxo que hoje se vive, o da literatura sem leitores; trata-se de Vícios de Linhagem, de Collin: “Dava até pra meter um ponto de exclamação neste pedaço. Digo, trecho. Meter mesmo. Meter até o fundo. Então a gente deixava de ser conceito infâmia e estátua de sal. Mas não exclamo, interrogo”.

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A ÁRVORE TODASAutora: Luci Collin Editora: Iluminuras (96 págs.; R$ 34)

O SER HUMANO NA ERA DA SUA REPRODUTIBILIDADE TÉCNICA Autor: Valerio Oliveira Editora: Patuá (80 págs.; R$ 35)

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