Os melhores livros de 2018

Em ano de crise para grandes players do mercado editorial brasileiro, editoras colocaram no mercado obras instigantes, do romance à biografia, dos quadrinhos aos estudos literários

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Foto do author Maria Fernanda Rodrigues
Foto do author Ubiratan Brasil
Por André Cáceres , Guilherme Sobota , Maria Fernanda Rodrigues e Ubiratan Brasil
Atualização:

As listas de melhores lançamentos do mercado editorial brasileiro de 2018, segundo críticos e jornalistas de livros do Estadão (as listas continuam após cada foto).

Ubiratan Brasil

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Entre as Mãos – Juliana Leite (Record)

Livro de estreia da escritora, vencedora do Prêmio Sesc de Literatura, tem o ritmo ditado pelo corpo feminino, uma trama que se constrói e reconstrói por meio de narrativas que se cruzam e, por isso mesmo, destroem umas as outras, formando uma espécie de quebra-cabeça. Pede uma leitura apurada, atenta, portanto, desafiante.

O Sol na Cabeça – Geovani Martins (Companhia das Letras)

Também estreante, mas aqui se aventura pelos contos. Ao reproduzir a oralidade típica das comunidades do Rio de Janeiro, ele apresenta um perfil original da região periférica de uma grande cidade, sem se render a modismos e alternando com equilíbrio gírias locais com o português formal.

O Romance Luminoso – Mario Levrero (Companhia das Letras)

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Livro póstumo do escritor uruguaio, mistura romance com um diário sobre o processo de sua escrita. Como pano de fundo, a história de um experiente escritor que revela suas obsessões para adiar seu trabalho. Ao confessar sua incapacidade de produzir um poderoso romance, ele revela com humor sua solidão, marcada por cansaço e fantasias sexuais. Da história de um fracasso, Levrero apresenta um grande romance.

Luto – Eduardo Halfon (Mundaréu)

O guatemalteco aproveita fatos da própria infância (como a fuga da família para os Estados Unidos, nos anos 1970, fugindo da guerra civil) para apresentar uma narrativa em que o tema do exílio é o ponto de partida para questionamentos sobre identidades – tanto a pessoal como a familiar e, por extensão, a nacional.

Contos Completos – Caio Fernando Abreu (Companhia das Letras)

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Produzidos entre os anos 1960 e 80, os contos de Caio Fernando oferecem um precioso registro de um período marcado pela truculência imposta pela ditadura militar, especialmente nos atos de tortura física e mental. Conhecedor de música e cinema, além da própria literatura, Caio deixou uma escrita carregada de imagens e, depois de assumir ser portador do vírus da aids, ele se politizou.

Juca Paranhos, o Barão do Rio Branco – Luís Cláudio Villafañe G. Santos (Companhia das Letras)

Biografia que mostra, de forma original, como a vida pessoal de Juca Paranhos influenciou a atuação política de sua mais conhecida persona, o Barão de Rio Branco, patrono da diplomacia brasileira. Com isso, Villafañe atinge patamares mais altos ao revelar a doutrina que rege as relações do Brasil com o resto do mundo.

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O Coração Pronto Para o Roubo – Manuel Antonio Pina (Editora 34)

Ainda que tardia, uma bem vinda antologia do grande poeta português, morto em 2012 e praticamente inédito no Brasil. Por meio de pouco mais de 80 poemas, é possível se conhecer o lado melancólico e também irônico do escritor.

Capas dos livros mencionados 

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Maria Fernanda Rodrigues

Os Contos – Lygia Fagundes Telles (Companhia das Letras)

Maior escritora brasileira viva e grande contista, Lygia Fagundes Telles é homenageada aos 95 com este volume que reúne, em 800 páginas, todos os seus contos — incluindo textos esparsos que que estavam fora de catálogo.

Eufrates – André de Leones (José Olympio)

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Sexto e mais maduro romance do escritor goiano revelado pelo Prêmio Sesc, Eufrates parte da amizade dos dois protagonistas e, com base na história deles, que é narrada em paralelo, o autor vai criando uma teia de relações familiares e afetivas para investigar se ainda pode haver alguma espécie de comunhão e de convivência saudável entre pessoas próximas, se elas ainda podem se apoiar umas nas outras.

O Pai da Menina Morta – Tiago Ferro (Todavia)

Um grande livro que nasce da dor mais impensável e aguda. Um livro que não existiria se o coração da menina não tivesse parado de bater. Era 2016 e ela tinha 8 anos. Quase dois anos depois, o autor, o pai, apresenta essa autoficção que pede para ser lida, que pede para não ser lida.

Baratas – Scholastique Mukasonga (Nós)

Um livro escrito sem pretensão literária, mas como ‘dever de memória’. É a trágica história da autora e de sua família e do genocídio que assassinou cerca de um milhão de pessoas em Ruanda em 1994, e 37 pessoas da família de Scholastique, que foi ‘escolhida’ pelo pai para sobreviver. 

Dostoievski na Rua do Ouvidor – Bruno Gomide (Edusp)

Bruno Gomide dá continuidade a suas pesquisas sobre a presença da literatura russa no Brasil, iniciada com Da Estepe à Caatinga: O Romance Russo no Brasil (1887-1936), sobre a chegada dela entre o fim do século 19 e os anos 1930, com Doistoievski na Rua do Ouvidor, um dos principais lançamentos do ano sobre a história da literatura e que aborda a circulação e a recepção dessa obra na primeira Era Vargas.

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Chão de Peixes – Lúcia Hiratsuka (Pequena Zahar)

Uma das mais festejadas ilustradoras brasileiras, Lúcia Hiratsuka volta à infância vivida num sítio no interior de São Paulo e registra as lembranças desse tempo de brincadeira e pé no chão com a técnica japonesa sumiê num dos mais delicados livros infantis do ano.

Capas dos livros mencionados 

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Guilherme Sobota

O Pai da Menina Morta – Tiago Ferro (Todavia)

A experiência do luto – e uma maneira muito criativa de significar a busca por uma vida normal após uma perda trágica – é o combustível do narrador de O Pai da Menina Morta, o primeiro livro de Tiago Ferro, publicado pela editora Todavia. O romance do ano no Brasil.

Maior que o Mundo – Reinaldo Moraes (Alfaguara)

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O livro nasceu de uma encomenda motivada pelo Pornopopéia: dizer que os dois têm uma pegada parecida demais é então injusto. O fato é que se Reinaldo Moraes lançasse um desse por ano, ninguém ia reclamar, porque a habilidade literária aqui é tão vasta que nos resta ler, e só, e é isso.

O Espírito dos Meus Pais Continua a Subir na Chuva – Patricio Pron (Todavia)

Romance super inventivo cujo tema central é a memória da ditadura: exercício que embora pincelado no Brasil tem menos importância no nosso cenário literário do que seria preciso para evitar arroubos autoritários pseudo-saudosistas. Mas para ser justo, o próprio autor argentino disse no início do ano, sem modéstia: “Minha motivação nasceu da percepção de que ninguém havia escrito algo assim antes”. Não é exagero dizer que ele estava acerto.

A Única História – Julian Barnes (Rocco)

A capacidade de Julian Barnes registrar o sofrimento só não é maior que a facilidade que ele demonstra na sua construção literária, sempre tão bem traduzida no Brasil nas edições da Rocco (aqui, Léa Viveiros de Castro). No romance, o narrador Paul começa dando o tom de um livro que explora como poucos as possibilidades e impossibilidades do amor: “Você prefere amar mais e sofrer mais, ou amar menos e sofrer menos? Para mim, esta é a única e verdadeira questão.” Fantástico.

Coral e Outros Poemas – Sophia de Mello Breyner Andresen (Companhia das Letras)

Panorama da produção poética da escritora portuguesa, com sintaxe direta e palavras simples, os poemas da antologia surpreendem pela contraposição de imagens, ar misterioso e voz coesa que permanece entre o primeiro e o último livro. Além de uma bela apresentação de Eucanaã Ferraz.

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A Revolução dos Bichos – Odyr (Quadrinhos na Cia.)

A mensagem contra o totalitarismo por trás de A Revolução dos Bichos, clássico romance de 1945, ganhou esse ano sua primeira versão global em quadrinhos, no Brasil – feita pelo artista gaúcho Odyr, com o texto de Orwell traduzido por Heitor Aquino Ferreira. Para quem ainda não entendeu, agora está desenhado — e maravilhosamente bem.

Ayako – Osamu Tezuka (Veneta)

Reunião de histórias publicadas originalmente nos anos 1970, o livro é um conto do pós-guerra no Japão, repleto de conspirações, traições, corrupção do governo, movimentação da máfia e execuções com motivação política. A edição caprichada da Veneta tem 720 páginas e é a primeira no Ocidente com os dois finais escritos por Tezuka, espécie de revolucionário dos quadrinhos ao abordar no mangá temas adultos.

Uma Irmã – Bastien Vivès (Nemo)

Um dos melhores quadrinhos do ano vem, é claro, da França. Num traço econômico que prioriza intenções, Vivès conta uma história sensível sobre desabrochar e paixão adolescente. Um belo livro para o verão.

Antonio Candido 100 anos – Maria Augusta Fonseca e Roberto Schwarz (orgs.) (Editora 34)

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Livro homenagem ao centenário de nascimento de Antonio Candido, a obra reúne textos de pesquisadores, escritores e críticos sobre as diversas frentes de atuação de Candido. Além do interesse acadêmico de muitos dos textos, outros trazem relatos emocionantes sobre encontros e aulas do professor — chegar às lágrimas com um texto de Beatriz Sarlo num livro crítico é feito proeminente, então, vamos lá. Num texto inédito, de fevereiro de 2016, vemos Antonio Candido repassar sua trajetória e nos explicar por que era crítico literário. A última frase desse texto é… não vou dizer, mas a modéstia (nunca falsa) é praticamente revoltante. Uma bela homenagem.

Fantástico Brasileiro – O Insólito Literário Do Romantismo Ao Fantasismo – Bruno Anselmi Matangrano e Enéias Tavares (Arte & Letra)

O livro faz uma recomposição histórica do fantástico na literatura brasileira. Os pesquisadores repassam com generosidade a obra de nomes como Machado de Assis, Graciliano Ramos e Guimarães Rosa, também de gente mais ligada ao mágico, como Murilo Rubião e José J. Veiga, bem como escritores menos conhecidos, como Adelpho Monjardim (1903-1986) e Augusta Rosa (1948), até chegar ao contemporâneo, sempre destacando os aspectos próximos do fantástico. No epílogo do livro, eles propõem uma nova formulação de movimento literário: o “fantasismo” pega elementos da tradição literária fantástica e os adapta à nova realidade do mercado editorial brasileiro do século 21. Uma formulação ousada e que procura romper padrões, dentro da academia e da mídia tradicional.

Capas dos livros mencionados 

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André Cáceres

A Acusação – Bandi (Biblioteca Azul)

Essa antologia, cujos manuscritos originais foram contrabandeados para fora da Coreia do Norte pela fronteira com a China, reúne contos escritos na década de 1990 por um(a) autor(a) anônimo(a) sob o pseudônimo Bandi (vaga-lume). Não fosse pelo ineditismo da publicação, cada história retrata um fragmento brutal da realidade do país mais fechado do mundo. Integrantes do partido, traidores da pátria e cidadãos comuns se veem oprimidos por uma força estatal quase onipresente, tornando-se cúmplices e vigias uns dos outros.

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A Quinta Estação – N.K. Jemisin (Morro Branco)

Primeira mulher negra a vencer o Hugo, maior prêmio da literatura fantástica no mundo, e primeira pessoa a repetir o feito por três anos seguintes, N. K. Jemisin é a maior revelação do gênero nos últimos anos. Em A Quinta Estação, que inicia a trilogia da Terra Partida, o leitor acompanha três protagonistas em diferentes momentos da vida: uma mulher que perde o filho, morto pelo próprio marido; uma jovem designada a procriar com um homem que não conhece; e uma criança separada compulsoriamente dos pais. Por meio dessas linhas narrativas que se unem de maneira brilhante, Jemisin discute racismo, machismo e relações familiares em um mundo que sofre com frequentes cataclismos.

Canção de Ninar – Leila Slimani (Tusquets)

O início de Canção de Ninar remete diretamente ao clássico incipit de O Estrangeiro, de Albert Camus. A jovem autora franco-marroquina começa com “O bebê está morto”, ao passo que o Nobel franco-argelino começava com “Hoje, a mamãe morreu”. A partir desse paralelo, Leila Slimani traça um retrato da verdadeira guerra de classesem miniatura travada no seio de uma família que contrata uma babá para cuidar de suas crianças.

A Chuva Imóvel – Campos de Carvalho (Autêntica)

Nada é o que parece na literatura do mestre surrealista Campos de Carvalho. Em meio à reedição de sua obra, o leitor finalmente pode apreciar A Chuva Imóvel, sua obra mais radical, em que mesmo a sinopse pode ser contestada. O livro narra o amor incestuoso e platônico entre os gêmeos André e Andréa, mas que também podem ser a mesma pessoa, ou alter egos de um único narrador.Além desse clássico, Campos de Carvalho teve seus raríssimos contos incluídos na coletânea Quarteto Mágico, ao lado de Murilo Rubião, José J. Veiga e Victor Giudice.

O Sol na Cabeça – Geovani Martins (Companhia das Letras)

Estreante na literatura, Geovani Martins chamou atenção por seus contos que evocam o linguajar popular do asfalto e do morro, mas sem deixar de flexionar a linguagem literária. Seus personagens são as pessoas que ele encontra na periferia carioca, o sujeito que pede esmolas no ônibus, os jovens que apenas querem se divertir. Uma boa estreia para uma nova voz do realismo brasileiro.

Fractais Tropicais – Nelson de Oliveira (Sesi-SP)

Organizada por Nelson de Oliveira, essa coletânea contém o suprassumo de mais de meio século de ficção científica brasileira, desde contos clássicos da acadêmica Dinah Silveira de Queiroz e de André Carneiro até nomes como Gerson Lodi-Ribeiro, vencedor do prêmio Argos em 2018, o músico carioca Fausto Fawcett, e Jorge Luiz Calife, uma espécie de Arthur C. Clarke brasileiro. O livro é uma excelente porta de entrada para o gênero e conta com autores mais recentes, não necessariamente envolvidos apenas com esse estilo, mas que mesclam referências com a dita literatura mainstream.

A Face Serena – Maria Valéria Rezende (Penalux)

Vencedora dos Prêmios Jabuti e São Paulo de Literatura, a missionária e escritora santista Maria Valéria Rezende reúne contos inéditos que tratam de assuntos variados, mas sempre com seu olhar irônico e ambíguo. Desde a perversidade infantil até as paixões adolescentes, passando por uma história sobre o estranhamento da tecnologia e até uma releitura do clássico poema Quadrilha, que imagina o desfecho dos personagens de Drummond, Rezende pincela sobre todas as fases da vida em A Face Serena.

Semente de Bruxa – Margaret Atwood (Morro Branco)

Fazendo uma releitura da peça A Tempestade, de William Shakespeare, Margaret Atwood usa a metalinguagem para trabalhar, aprofundar e subverter os temas do texto do Bardo. Anos depois que um diretor de teatro extravagante, Félix (equivalente de Próspero na trama) perde a filha e a carreira, ele decide montar A Tempestade com os presos de uma penitenciária canadense enquanto trama uma vingança contra os políticos responsáveis por sua decadência. A autora de O Conto da Aia, Oryx e Crake e Vulgo Grace deixa de lado seus assuntos costumeiros para construir uma metaficção instigante.

Justiça Ancilar – Ann Leckie (Aleph)

Todas as personagens de Justiça Ancilar são referidas no feminino. Esse uso peculiar da linguagem, a primeira vista meramente idiossincrático, se desdobra em um abismo cultural à medida que Ann Leckie adapta a mentalidade das protagonistas a um mundo em que não existem questões de gênero. A todo momento, o leitor se depara com seus próprios preconceitos enquanto a autora subverte suas expectativas vertiginosamente.

O Corpo Descoberto – Eliane Robert Moraes (Cepe)

A professora Eliane Robert Moraes organiza uma antologia curiosa: literatura erótica pré-modernista no Brasil. Não, não são livros “pulp” ou histórias picantes populares, mas sim contos de Machado de Assis, João do Rio, Lima Barreto e uma autora pouco comentada, mas extremamente interessante: Júlia Lopes de Almeida.

Capas dos livros mencionados 
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