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Obra traz dois contos inéditos de João Ubaldo Ribeiro

Escritor queria fazer um livro sobre seu bairro no Rio, o Leblon, mas morreu com o projeto em andamento; 'Noites Lebloninas' está saindo pela Alfaguara

Foto do author Maria Fernanda Rodrigues
Por Maria Fernanda Rodrigues
Atualização:

Pode ser que João Ubaldo Ribeiro não aprovasse a edição de Noites Lebloninas. Preciosista que era, teria revisado o texto mais uma, duas, quantas vezes fosse preciso. E teria escrito um número maior de contos. Era sua ideia, diz o amigo, poeta e responsável pelo prefácio, Geraldo Carneiro, fazer um livro de contos sobre o Leblon. Mas Ubaldo, que foi cronista do Caderno 2, morreu em julho, com seu projeto em andamento. 

Berenice de Carvalho Batella Ribeiro sabia que ele não ia gostar de ver o livro publicado sem sua revisão final. “Mas eu achava, sim, que os dois contos já escritos mereciam ser conhecidos por seus leitores, especialmente por ter sido o Leblon o bairro do coração do meu marido – que foi pelo Leblon acolhido e absorvido como um autêntico leblonino. Aqui, ele se sentia em casa, à vontade no seu modo de ser e conviver com seus semelhantes: bermuda, camisa e havaianas, cumprimentando todos e sendo por todos reconhecido e cumprimentado com carinho”, diz. E completa: “Acredito que ele considerava os dois contos acabados, sim, porque já estava matutando outros, sobre os quais conversava comigo”.

Alter ego. Porteiro é o narrador criado pelo escritor Foto: TASSO MARCELO/ESTADÃO

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A obra lançada agora traz dois contos longos e com o humor característico de seu autor – o Noites Lebloninas, que dá nome ao livro, e . Houve uma vontade de criar um narrador carioca para a obra. “Ele tentou, mas percebeu que seu narrador teria que ser uma espécie de alter ego. Um baiano como ele, radicado no Rio. Apaixonado pelo Rio”, conta Carneiro. Ele inventou, então, um porteiro, observador como ele do cotidiano do bairro. 

Berenice conta que este projeto poderia ser uma espécie de homenagem ao lugar “onde ele se sentia quase que estando em sua ilha, Itaparica, terra mãe, pela qual tinha um amor comovente, indizível”. Ela conta que Ubaldo tinha ainda muito material “na cabeça e no coração” para dedicar ao Leblon e que estava à vontade com seu ofício. “Em minha opinião, comprometida ou não, ele estava cada vez mais senhor da palavra, mais maduro, mais solto, mais à vontade com sua escrita, navegando com segurança e prazer em sua língua pátria”, diz. Conta, ainda, que sua imaginação vivia em constante ebulição. “Era um escritor obsedado pelo seu povo, o povo brasileiro, a quem dedicou uma obra magistral, um observador atento e cuidadoso do comportamento humano, um preciosista da língua, um garimpeiro da palavra exata.”

Ubaldo não pensava na morte. Achava as homenagens póstumas esquisitas e dizia que o bom mesmo era ser reconhecido estando na festa, lembra sua mulher, que diz ainda ser um pouco cedo para pensar numa biografia dele. Esse assunto foi levantado por Carneiro na última vez que esteve com o amigo, dez dias antes de sua morte. Ubaldo disse que deixaria a tarefa para a velhice. O poeta comenta que nunca pensou em ser ele o biógrafo, mas admite que seria “um desafio maravilhoso”. Sobre se podemos esperar mais do baú do escritor, ele diz: “Seria uma delícia se publicassem fragmentos de tudo o que ele imaginou e não teve tempo para transformar em literatura.”

‘Nave-mãe’ de Ubaldo faz 30 anos e ganha nova edição

Sucesso de crítica e público – 15 dias depois de lançado, já estava nas listas de mais vendidos – Viva o Povo Brasileiro faz 30 anos em dezembro e a Alfaguara acaba de mandar para as livrarias uma edição comemorativa da obra, com nova capa e ensaio inédito do escritor Rodrigo Lacerda, filho do editor Sebastião Lacerda, e que encontrou Ubaldo algumas vezes. O texto em que Geraldo Carneiro diz que o livro é uma celebração da língua e de seus inventores, já publicado em outras edições, foi mantido. 

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Lacerda lembra em seu texto que a motivação de Ubaldo era a de escrever um livro grande – o que seria, também, “uma resposta à prevenção do pai contra livros ‘que não ficam em pé’ e um troco à provocação do editor Pedro Paulo Sena Madureira, que lhe teria dito certa vez: ‘Vocês escritores brasileiros só escrevem essas merdinhas que a gente lê na ponte aérea’”. 

O pai de Lacerda foi a Itaparica pegar os originais que pesavam 6,2 quilos e que resultou num romance de mais de 600 páginas. Em sua apresentação, Lacerda conta como era o País à época em que Viva o Povo Brasileiro foi escrito e as condições em que Ubaldo trabalhou na obra. “João Ubaldo fez dele o grande entroncamento literário de sua carreira, onde todos os outros livros se encontram.”E completa: “É uma espécie de nave-mãe, que perde em velocidade para os deslocamentos das naves menores, mas paira majestosamente sobre elas. Nele, o que o escritor havia feito antes reaparece, e o que faria depois tem seu anúncio”. / M.F.R.

NOITES LEBLONINAS

Autor: João Ubaldo Ribeiro

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Editora: Alfaguara (104 págs., R$ 29,90)

Leia trecho de Noites Nebloninas:

“O que manda a realidade da posição social? Manda querer saber por que as madames toparam a festa do Saqualulu (...), com dois porteiros de convidados. Pode ser a influência da democracia hoje tão na moda, mas acho difícil. (...) Saqualulu se transtornou e chegou a parar o carro, enquanto respondia. (...) E era por democracia, sim, as amigas dele sempre foram democratas ardentes, mas até agora, como tinha dito a própria Regininha parecendo que estava até adivinhando, só exerciam a democracia no hora de votar. (...) O carioca sempre valorizou o baiano e também costuma tratar o baiano com bastante respeito, porque tem certeza de que todo baiano é macumbeiro.” (Noites Lebloninas)

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“Nada tenho contra aquele que pratica a veadagem (...) Somente os ignorantes é que alimentam a raiva da veadagem, porque desde que o mundo é mundo exigem grandes homens veados e todo dia se descobre um que ninguém sabia que era veado, mas era.” (O Cachorro Falafina e seu Dono Dagoberto)

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