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Nos 30 anos da morte de Tancredo Neves, livro oferece preciosidades sobre o presidente da redemocratização

Biografia busca contribuir para a discussão de como funciona o poder no Brasil

Por Gabriel Manzano
Atualização:

Foi o general Golbery do Couto e Silva quem, no final de outubro de 1984, convenceu o candidato Paulo Maluf, já previamente derrotado, a manter sua candidatura à Presidência – e assim impediu atropelos e garantiu a vitória de Tancredo Neves e o fim da ditadura. Foi o então presidente João Figueiredo quem tirou o general Newton Cruz do Comando Militar do Planalto, para acalmar os ânimos e enfraquecer os inventores de atentados. Foi o ex-presidente Ernesto Geisel quem, em conversa com Tancredo, “segurou as tropas”, para garantir que se completasse o “seu” projeto de abertura.

Episódios como esses, decididos nos bastidores e mostrando a história a passsar nos corredores ou nos quartéis, se espalham, às dezenas, pelas 860 páginas de Tancredo Neves – A Noite do Destino, que o jornalista José Augusto Ribeiro lança na quarta-feira, 11, no Rio, marcando os 30 anos da morte do presidente da redemocratização, ocorrida em 21 de abril de 1985. 

Sob pressão. Tancredo, com Goulart, diante do caixão de Getúlio Vargas, em agosto de 1954 Foto: Acervo Estadão

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Para reuni-los, Ribeiro trabalhou cerca de 15 anos, juntando documentos pessoais do presidente, anotações de trabalho – pois foi assessor dele durante a campanha presidencial –, entrevistas e muita pesquisa. “A ideia inicial era um livro menor, sobre as viagens de Tancredo ao exterior em 1985”, diz o autor. “Que nada, vamos fazer uma coisa completa”, propôs o publicitário Mauro Salles, que pretendia dividir o projeto com ele. “Mas o Mauro nunca tinha tempo e eu fui tocando sozinho”, conta Ribeiro, que nos anos 80 e 90 ocupou altos postos no jornalismo e na TV. 

Testemunho direto. A lista de biógrafos de Tancredo já é de bom tamanho – dela constam nomes como Mauro Santayana, Ronaldo Costa Couto, Luiz Mir, Rubens Ricupero, Augusto Nunes, Fernando Lyra. Ribeiro enriquece o clube com um trabalho de fôlego, que principia na Revolução de 1930 e chega aos anos 90, cujos pontos fortes são o testemunho direto, a organização e a preciosidade dos detalhes. 

Por exemplo, quando Tancredo definiu o que de mais importante havia acontecido em seus nove meses como primeiro-ministro de João Goulart: “Do primeiro ao último dia, o acontecido mais importante foi o que impedimos de acontecer”, resumiu, numa referência às constantes pressões de militares radicais para derrubar o governo. Ou ainda em atos de coragem, como quando incentivou Getúlio a resistir, na véspera de seu suicídio: “Se fizesse meia dúzia de prisões, estaria tudo liquidado”.

Da longa travessia do biografado – que ele conta desde menino, em São João del Rey – o autor destaca o que chama de “três convocações da história” – em 1953, em 1963 e 1984. Na primeira, como grande conselheiro dos últimos dias de Getúlio Vargas. Na segunda, indo ao Uruguai convencer João Goulart a aceitar ser presidente em um regime parlamentarista. E por fim, a tensa campanha presidencial e os dramáticos meses de 1984 até sua morte no Incor, em São Paulo, coroada por uma inacreditável sequência de erros médicos. Dias antes do fim, destaca-se este diagnóstico do médico Renault Mattos Ribeiro: “Tudo indica que dá pra segurar no antibiótico até depois da posse”. 

Nesse último desafio vêm à luz uma sequência de atentados contra Tancredo e contra o seu suporte militar, o general Leônidas Pires. Também impressiona, pela ironia, um boato espalhado por adversários, em setembro de 1984, segundo o qual Tancredo estava doente e não conseguiria governar. 

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A admiração do autor pelo biografado resulta em uma narrativa reverente, em que não sobrou espaço para falar de seus eventuais erros nem para trazer à luz, por exemplo, suas relações afetivas com dona Antonia Gonçalves de Araújo, sua secretária particular por 15 anos. Essa escolha, no entanto, em nada diminui o mérito da história. Pelo dito, pelo feito, pelo evitado, o que o livro oferece, ao final, é um dos mais completos relatos sobre como funciona o poder no País.

TANCREDO NEVES: A NOITE DO DESTINO

Autor: José Augusto Ribeiro

Editora: Civilização Brasileira (868 págs., R$ 80)

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