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No balanço do ano das HQs, brasileiras foram os destaques

‘Tungstênio’, de Marcello Quintanilha; ‘Cumbe’, de Marcelo D’Salete; e ‘A Morte de Ivan Ilich’, de Caeto, são excepcionais

Por Jotabê Medeiros
Atualização:

Publicado no Brasil pela Veneta Editora e na Espanha pela La Cúpula, o álbum Tungstênio, de Marcello Quintanilha (brasileiro radicado na Espanha) é um dos grandes destaques do ano.

Imaginem um romance de James Ellroy – só que se passa em Salvador da Bahia e é protagonizado por aqueles tipos humanos que você vê quando passeia ali pelas imediações do Farol da Barra. Personagens que são invisíveis para a maioria dos turistas de paisagens e de monumentos. Trata-se de um romance noir virado do avesso, vivido por uma fauna que só se torna visível aos olhos argutos do quadrinista. Os personagens não protagonizam nem grandes golpes, nem grandes amores, nem grandes covardias, nem grandes heroísmos. É quase tudo muito ordinário: o pequeno traficante de maconha, o baile da terceira idade, o cara que conta sempre a mesma piada no bar, o silencioso motorista do busão: tudo que ele nos mostra é tão familiar que espanta.

'Cumbe'. De Marcelo D'Salete: saga de afirmação racial Foto: REPRODUÇÃO

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Há uma Bahia e um Brasil que emergem dos quadrinhos de Marcello Quintanilha e nos aproximam da nossa explicação enquanto Nação, enquanto povo brasileiro. Mais do que qualquer outro romance recente que tenha sido publicado recentemente. Suas histórias projetam o regional no universal, e resumem o universal no regional. Têm um componente de tensão emocional que deixam o leitor exaurido no final das histórias.

É o mais orgânico dos trabalhos de Quintanilha, cujas relações entre os personagens têm estreita ligação com o resultado, com os resultados todos. Ele tinha feito uma versão exuberante de O Ateneu, de Raul Pompeia, e segue sofisticando ao máximo a arte dos quadrinhos.

Um outro grande destaque do ano é Cumbe, de Marcelo D’Salete, também da Veneta Editora. Cumbe é sinônimo de quilombo. É uma síntese da proposta: a história é um elogio da afirmação racial, conduzida pela arte magistral do artista, mestre em História da Arte pela USP e também autor de Encruzilhada.

Muitas graphic novels de qualidade foram publicadas em 2014, como Sorge, o Espião, de Isabel Kreitz; Bom de Briga, de Paul Pope; O Processo, versão de Chantal Montellier para o romance de Kafka; A Morte de Ivan Ilich, de Caeto; entre outras.

Reedições cuidadosas também foram a tônica da temporada. Os álbuns e Birds, de Gustavo Duarte, lançados originalmente em 2009 e 2011, foram reeditados pelo selo Quadrinhos na Cia, da Companhia das Letras. Influenciado por Al Hirschfeld, o nonsense do trabalho de Duarte parece nutrir-se de uma estratégia de chacoalhar o terror pela via do patético – e suas angulações inusitadas parecem cortes arquitetônicos dentro de um desenho Hanna & Barbera.

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