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José Luís Peixoto lança 'Galveias', romance sobre a agonia de sua aldeia natal

Neste domingo, 15, às 18h, ele conversa com o escritor Bernardo Ajzenberg na Livraria Saraiva do Shopping Pátio Higienópolis

Foto do author Antonio Gonçalves Filho
Por Antonio Gonçalves Filho
Atualização:

Em 1984, o escritor português José Luís Peixoto tinha 10 anos e corria pelos campos de Galveias, sua terra natal, provocando com outros “miúdos” a ira de proprietários rurais daquele povoado do Alentejo, ao roubar laranjas dos pomares. Hoje, eles nem se incomodam com a presença dos garotos. Até gostariam de ver mais miúdos correndo por aquela freguesia despovoada com pouco mais de 1.000 almas. Nem se importariam se levassem duas ou três laranjas, que hoje caem de maduras sobre o chão. É desse esfacelamento de Galveias, em queda livre desde a entrada de Portugal na União Europeia, em 1986, que trata o romance de mesmo nome a ser lançado neste sábado, 14, às 18 h na Livraria da Companhia das Letras, no Conjunto Nacional. Neste domingo, 15, às 18h, ele conversa com o escritor Bernardo Ajzenberg na Livraria Saraiva do Shopping Pátio Higienópolis, evento do Emil – Encontro Mundial da Invenção Literária.

O romance Galveias é um inventário amoroso do que restou dessa terra arrasada pela voracidade de uma Europa dividida, em que os mais poderosos mantêm os mais pobres no cabresto, ditando o que podem ou não produzir. Galveias, que já foi um alegre vale produtor de laranjas, cereais e azeitonas, hoje se limita a explorar cortiça. Isso até que o féretro do último lavrador passe em frente à igreja do venerado São Saturnino, o mártir atado a um touro, citada no romance. São poucos os homens com vigor para trabalhar no campo ou cuidar desse patrimônio cultural. Os jovens se foram e, na aldeia, só ficaram os mais velhos e aposentados. É raro nascer um bebê por lá.

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Mas, voltando a 1984, essa data foi escolhida por Peixoto para ambientar seu romance porque, dois anos antes de Portugal ingressar na União Europeia, um fenômeno muda o pacato vilarejo: algo vindo do céu (um meteorito?) abre uma enorme cratera na aldeia, exalando um cheiro infernal de enxofre, de ressonância bíblica. São as histórias de seus habitantes, cuja vida é afetada pelo acidente, que o escritor conta em Galveias: a de uma prostituta que é também padeira, a de um garoto com problemas mentais e a de uma professora primária, vítima da hostil ignorância dos aldeões analfabetos.

Há muito Peixoto se mostra interessado em explorar esse tema da cultura arcaica, pré-moral, que diz respeito não apenas a Portugal. O escritor acredita mesmo que existam “diferentes formas de ruralidade”, mas que essas diferenças são neutralizadas por uma espécie de compartilhamento genético, “de uma ligação transnacional com os ciclos da natureza” e com uma dimensão sobrenatural que não se explica pela razão – tanto que seu mais recente romance, Em Teu Ventre, trata das aparições da Virgem de Fátima aos três pequenos pastores portugueses, em 1917.

Há, naturalmente, o exercício memorialista em Galveias, o que parece lícito – Peixoto deixou sua terra natal aos 18 anos, vivendo toda a sua infância e adolescência nos campos. No entanto, não se pode dizer que se trata de um romance autobiográfico. Desde que escreveu o comovente Morreste-me, um ano após a morte do pai, em 1996, Peixoto transita no território do indiferenciado, entre o espaço da memória e do concreto. Sua literatura evoca o exemplo do poeta e cineasta italiano Pier Paolo Pasolini (1922-1975), também ligado ao mundo camponês por afeição às culturas que desapareciam, em consequência de uma força hegemônica que empurra os países para o “progresso”.

A diferença é que Peixoto, pai de dois filhos, um de 18 anos (João) e outro de 11 (André), está sempre a falar da família em seus livros – e, por consequência, do lugar de origem. Mas sua prosa, a exemplo da literatura de Pasolini, é igualmente poética, uma poesia agreste e frequentemente confundida com rudeza graciliana. “O fato de ter nascido nessa ruralidade, em que vivi até adulto, me fez aprender lições estruturantes sobre um mundo em vias de extinção, como o de Galveias, onde hoje é raro se ver uma criança brincando nas ruas.”

O pai do escritor, José João Serrano Peixoto, tinha uma serraria em Galveias. Morreste-me, seu romance de estreia, é um diálogo amoroso com o pai desaparecido. Teve 20 edições só em Portugal e emocionou críticos brasileiros ao ser lançado aqui pela editora Dublinense. Agora, no livro mais recente, Em Teu Ventre, lançado este ano em Portugal, ele se volta para a mãe. Não para dona Alzira Pulguinhas, que ainda vive em Galveias, orgulhosa de ter o nome do filho na placa de uma das ruas. A mãe que ele elege é a Virgem de Fátima. Peixoto aborda um tema que a modernidade evita, notadamente porque o culto a Fátima, em tempos pré-revolucionários em Portugal, era identificado com a cultura religiosa atrelada à violenta ditadura de Salazar.

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Peixoto afirma que o seu não é um livro sobre religião. “Nem poderia escrever sobre as aparições, pois elas são do domínio da fé.” O que interessa ao escritor, mais uma vez, é a ruralidade que liga a natureza a fenômenos sobrenaturais – e, nesse aspecto, mais um a vez, vale lembrar sua proximidade com a “santa” do filme Teorema, de Pasolini, uma empregada de Milão que volta ao campo, levita e ascende aos céus. “Também me interessava o culto mariano, a questão da maternidade, mas principalmente discutir o lugar da religiosidade arcaica no meio rural, onde o contato com o transcendente parece mais fácil, em função da intimidade com a natureza.” Nela, diz, as criaturas ficam mais expostas. Mas podem testemunhar milagres. Ou, no mínimo, ter visões epifânicas, como as de Fátima. GALVEIASAutor: José Luís PeixotoEditora: Companhia das Letras (272 págs., R$ 44,90) Lançamento sábado, 14, 18h, na livraria da editora do Conj. Nacional (Av. Paulista, 2.073, tel. 3170-4033)

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