Estreia de Felipe Franco Munhoz mistura obra de Philip Roth e relações amorosas

'Mentiras' é o primeiro livro publicado pelo escritor paulistano de 26 anos, inspirado na obra do autor americano

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Por Guilherme Sobota
Atualização:

Felipe discute em um café com Philip, às tardes, a construção dos diálogos e a relação que mantém com Thaís, às noites. Felipe e Philip sabem que são apenas personagens de um romance – Mentiras, que o estreante Felipe Franco Munhoz lança nesta sexta-feira, 4, na Livraria da Vila da Fradique, em São Paulo, às 18h30 – mas Thaís acredita que existe de fato. Esse mecanismo entre a construção da ficção e a relação amorosa entre duas pessoas (e uma terceira, que mais tarde entra na história) é no que se baseia o livro do jovem escritor paulistano, referendado por nomes como Humberto Werneck, José Castello, Paulo Henriques Britto e Marcelino Freire.

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Munhoz nasceu em São Paulo em 1990, viveu um tempo no litoral e morou em Curitiba, onde se formou em publicidade, profissão que abandonou. Escreveu a primeira versão do Mentiras nessa cidade, entre o fim de 2010 e o dia 19 de março de 2011 (coincidentemente, data do aniversário de Philip Roth – o livro guarda uma íntima relação com a obra de Roth). Aos 20 anos, ele ganhou uma bolsa de criação literária da Funarte, na “categoria adulta” do edital.

Desde então, estabeleceu morada em São Paulo e não parou mais de escrever – mais de oito horas por dia, segundo o próprio (“paciência é o mais importante”, diz). Mentiras é seu primeiro livro publicado – como recomendação de Evandro Affonso Ferreira, a Editora Nós prestou atenção e o editou. Escrito inteiramente em diálogos, ele passou por uma grande revisão para ser publicado agora, cinco anos depois, quando seu autor está prestes a completar 26 anos. A mesma idade que Roth tinha quando estreou, em 1959. 

Felipe Franco Munhoz, em seu apartamento em São Paulo Foto: Daniel Teixeira|Estadão

“Eu tinha feito um livro de contos, e quando terminei senti falta de diálogos, era uma influência kafkiana, borgiana”, diz Munhoz. “Pensei que seria interessante treinar diálogos, então fui atrás de autores considerados bons nisso, como Hemingway, e o Roth, cujo livro Deception é inteiro nessa forma.” Após o primeiro Roth, que veio assim meio sem aviso, foi impossível não mergulhar de cabeça na obra do americano.

Ao mesmo tempo, Munhoz lembra de ter tido uma conversa com uma amiga. “bem franca, diferente do normal”, em um bar em Curitiba – o ponto de partida para a criação da personagem do livro. A voz da ficção de Philip Roth, então, funcionaria como um contraponto e uma espécie de mentor literário para a construção de um romance feito apenas de diálogos.

“Para o trabalho ficar completo, achei que só faria sentido se eu usasse todos os livros dele”, diz Munhoz. O personagem Philip, no Mentiras, ecoa diversas criações de Roth, desde o Portnoy até os delírios de Nathan Zuckerman, mas evita a personalidade do Roth real. “Foi uma obrigação autoimposta que melhorou o resultado final do trabalho, acabou virando um objetivo, um obstáculo essencial para o mecanismo do texto.”

O judaísmo também entra com força no livro, e à lá Roth, é usado para emular sentimentos mais diversos. A terceira ponta do triângulo amoroso (“Marina, mar de minha sina, morfina desta carne”, diz, debochado, o personagem principal) é uma mulher judia. A transformação a que ele se submete rende as cenas mais engraçadas do livro.

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Munhoz também é crítico literário da APCA e gerencia o site Antessala das Letras. Criado em 2014, a ideia era oferecer um espaço mais forte do que um blog e publicar novos autores, sempre a partir da indicação de escritores mais consagrados. O primeiro texto foi um de Carol Rodrigues, indicada por Marcelino Freire. No ano seguinte, ela venceu o Jabuti e o prêmio da Biblioteca Nacional.

“Senti essa ausência, um espaço legal para publicar e ter visibilidade, não tem suplementos, são poucos jornais com espaço para ficção, principalmente de novos autores”, explica. Com apoio da OSCIP Instituto Peabirus e em parceria com a designer Lidia Ganhito (curadora de ilustrações), já são mais de 60 textos. “Tivemos algumas conversas para uma publicação, mas ainda não chegou em lugar nenhum”, prospecta.

Mesmo estreante, Munhoz já vem participando de eventos internacionais. Em 2013, a convite da Philip Roth Society, ele viajou aos EUA para participar das festividades de 80 anos do escritor. Entre a leitura de um trecho do seu próprio livro e debates, conheceu e apertou a mão do homem (“perguntei se ele viria à Flip, e a resposta foi um categórico não”, ri). Na próxima semana, embarca para Macau, na China, antiga colônia portuguesa, participar do The Script Road, o festival literário local. Ainda em março, vai a Paris com a Primavera Literária Brasileira. Está animado, feliz. Já tem um livro novo, sobre uma família que se divide, pronto, enfim, para se deslocar da sombra de Roth.

MENTIRAS

Autor: Felipe Franco Munhoz

Editora: Nós (208 págs., R$ 35)

Lançamento: Sexta-feira, 4/3, às 18h30, na Livraria da Vila (R. Fradique Coutinho, 915, Vila Madalena, SP)

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