Empresário Roberto Civita ganha biografia

Escrita pelo jornalista Carlos Maranhão, obra conta em quatro partes a saga do diretor da Editora Abril

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Por José Maria Mayrink
Atualização:

O roteiro do livro Roberto Civita: o dono da banca, escrito pelo jornalista Carlos Maranhão, confunde-se com a história da Editora Abril e, particularmente, com a da Revista Veja, da qual foi diretor de 1968 até a véspera de sua morte, em 2013. Filho primogênito de Victor Civita e Sylvana Piperno Alcorso, que fugiram da Itália e do fascismo menos de nove meses antes do início da Segunda Guerra Mundial, o ítalo-americano-brasileiro Roberto – ou Robert Frank Civita, sua identidade no passaporte americano – emigrou para o Brasil aos 13 anos de idade, atendendo à convocação do pai, que estava fundando em São Paulo a Editora Abril Ltda.

Era uma réplica da Editorial Abril, lançada em 1941 na Argentina por César Civita, irmão de Victor. A empresa brasileira teria sido criada em 12 de junho de 1950 com o lançamento da revista O Pato Donald, na versão oficial da Editora Abril. Na verdade, foi diferente. Conforme documento da Junta Comercial de São Paulo, citado por Maranhão, César Civita registrou a nova empresa de comunicação em 16 de dezembro de 1947, com o capital de 50 mil cruzeiros, equivalentes a 2500 dólares na época, ou a 27 mil dólares em 2016. O nome dele não aparece entre os primeiros diretores brasileiros, porque como estrangeiro não poderia ser proprietário de jornais e revistas no Brasil. 

Roberto Civita Foto: Tiago Queiroz / Estadão

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Dividido em quatro partes – A árvore desfolhada I, A árvore germinada, A árvore frutificada e A árvore desfolhada II – mais um epílogo e um posfácio, o livro desenvolve a narrativa em 46 capítulos, cujos títulos remetem, com dia, mês e ano, para o conteúdo de que tratam. A leitura corre fácil, graças ao estilo direto, claro e simples de Maranhão, apesar da profusão de datas, cifras e nomes que enriquecem o texto. Mesmo os leitores familiarizados e particularmente interessados na área, como jornalistas, publicitários, professores e historiadores, terão de ler com redobrada atenção essas páginas cheias de pormenorizadas informações bem checadas pelo autor. 

No posfácio, Carlos Maranhão revela que Roberto o convidou em junho de 2012 para escrever a biografia a quatro mãos. “Topa fazer comigo?”, perguntou o patrão. Maranhão estava na Editora Abril havia 42 anos. Era correspondente das revistas Placar e Veja em Curitiba e tinha 22 anos de idade quando se transferiu para São Paulo. 

O jornalista aceitou o convite, as gravações de depoimentos começaram um mês depois. No início de 2013, Roberto mandou agendar 37 sessões, que iriam até o final do ano. Só houve mais uma, na véspera do Carnaval. 

Depois de assistir no domingo ao desfile de escolas de samba no Rio, ele se internou no Hospital Sírio-Libanês em São Paulo. “Pooh, am I dying?”, Roberto perguntou em inglês a sua filha Roberta Anamaria no hospital, tratando-a pelo nome do Ursinho Pooh dos desenhos de Disney. Roberta hesitou, mas respondeu: “Dé (abreviatura de Dad, pai), você é um homem maravilhoso. Fez tudo o que quis na vida, realizou todos os seus sonhos profissionais e teve muitas mulheres. As pessoas não vão esquecê-lo. Mas, sim, você está morrendo...And God exists, Dé.”

Deus existe? Roberto ouviu calado. Ele se considerava ora agnóstico, ora ateu, desde a adolescência, quando descobriu que os pais lhe haviam ocultado sua origem judaica. Convertidos ao cristianismo, Victor e Sylvana matricularam os filhos num colégio católico. Iam à missa e fizeram a primeira comunhão. Roberto sentia-se culturalmente judeu e, em determinados momentos, conta Maranhão, foi aconselhar-se com rabinos.

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“Mais do que os três filhos, os seis netos, as três esposas, as namoradas e as amantes, ou os 51 títulos publicados pela editora por ocasião de sua saída de cena, sem contar dezenas que ficaram pelo caminho, a entrada no universo digital, os investimentos na área da educação, a descoberta e a formação de talentos, para não falar das incursões no mundo da TV, que por um triz não o levaram a quebrar – sim, mais do que tudo isso foi a Revista Veja, durante 45 anos e cerca de 2300 edições, a suprema paixão e sua razão de ser”, afirma Maranhão.

Seguiu todas as fases da revista, administrou sucessos e fracassos, defendeu a continuidade do maior projeto de seus sonhos nas mais difíceis fases de crise. Por exemplo, durante o período da censura, quando todo o material tinha de ser enviado para aprovação em Brasília. Num dos momentos mais agudos, Roberto tentou um acordo e aconselhou (mandou?) o diretor Mino Carta dispensar o escritor Plínio Marcos, cuja coluna irritava o governo. Mino Carta, uma das seis pessoas que se recusaram a dar entrevistas para o autor do livro, foi demitido.

Roberto, um workaholic por vocação, estava sempre ligado às suas revistas, mas dizia que não trabalhava. “Eu me divirto”, falava. E era verdade. Sem demonstrar cansaço ou mau humor, mesmo quando discordava dos subordinados.

ROBERTO CIVITA – O DONO DA BANCA Autor: Carlos Maranhão Editora: Companhia das Letras (592 págs., R$ 69,90)