Dor e festa na despedida de Suassuna

Familiares, amigos, políticos e grupos musicais prestaram homenagem ao escritor, morto na noite de quarta

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Por Angela Lacerda
Atualização:

RECIFE - A despedida do escritor e dramaturgo paraibano Ariano Suassuna, que morreu na noite de quarta, aos 87 anos, teve um misto de dor e de festa, em clima de serenidade e com a participação dos folguedos populares da cultura pernambucana e nordestina que ele tanto defendeu.

“Perdemos o pai da cultura popular brasileira”, resumiu Pedro Salustiano, do maracatu rural Piaba de Ouro, da zona da mata pernambucana, que foi até o palácio do Campo das Princesas com rabeca, pandeiro e ganzá. Caboclos de lança e o boneco gigante do carnaval pernambucano do escritor também estiveram presentes. “Viva você, Ariano, você é nosso rei”, exclamou, emocionado.

Velório. A presidente Dilma com Zélia, viúva do escritor Foto: Roberto Stuckert Filho/PR

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Filho do Mestre Salustiano, já falecido, muito ligado a Ariano, Pedro lembrou que quando o pai e Ariano se encontravam, o escritor sempre pedia que tocasse. “Foi o que fizemos agora, na sua despedida”, disse ele. Autoridades, anônimos, fãs, artistas e populares prestaram homenagens durante o velório, aberto à visitação desde a noite de quarta. A grande maioria com uma história para contar.

Forrozeiro famoso no Nordeste, Santana compartilhou uma delas. Lembrou que o repentista Dimas Filho certa vez intimou Ariano a fazer um soneto. Ariano concordou. Dois meses depois o reencontrou e Ariano disse que estava na primeira quadra. Passado um ano, em um encontro na casa de Ariano, finalmente o soneto foi entregue a Dimas que olhou, fez um riso no canto da boca e, de imediato, declamou um repente, todo rimado, dizendo achar engraçado um poeta ter um ano de luta fazendo um soneto sem graça. “O sono ele perde a fim de estudar tão minguado produto/ pois desse eu faço dois ou três por minuto cantando a galope na beira do mar”, dizia o final do repente declamado por Santana. Ao ouvir isto, Ariano retrucou: “você não é besta não, me dê o meu soneto” e arrancou o papel das mãos de Dimas. 

“Ele foi um cometa raro para a cultura brasileira”, resumiu o diretor Luiz Fernando Carvalho, ao destacar que Ariano conseguiu juntar os folguedos populares com a mais alta cultura. “Com Ariano não há hierarquia entre cavalo marinho e Mozart”, afirmou. Carvalho já adaptou, para a televisão, as obras de Pedra do Reino, Mulher Vestida de Sol e A Farsa da Boa Preguiça. Em 2015, ele disse que irá adaptar O Amor de Fernando e Isaura, uma espécie de Romeu e Julieta sertanejo.

A Isaura do romance foi inspirada na sua companheira da vida toda, Zélia, agora viúva. Ela, os filhos, netos e familiares demonstram serenidade durante todo o tempo. “O maior legado que ele nos deixou é o carinho do povo”, disse sua filha Maria, diante das demonstrações de afeto e reconhecimento ao pai.

A professora da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), a pernambucana Ana Paula Campos Lima, de 38 anos, chorava copiosamente. Ela contou ter conhecido Ariano ainda estudante, em 1997. Interessada no Movimento Armorial, criado por ele, dirigiu um documentário sobre o tema que depois apresentou por todo o País. Segundo ela, nada teria sido possível sem o apoio do mestre, que lhe abria as portas da casa e sempre foi solícito. “Minha vida se confunde com Ariano, ele foi muito importante”, disse ela, ao resumir o escritor, que foi seu conselheiro e orientador, com duas palavras: “generosidade e genialidade”.

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O cineasta Guel Arraes, amigo de Ariano e diretor do filme O Auto da Compadecida, destacou que Ariano viveu sempre de acordo com seus ideais e perto de suas origens. “Ele se tornou universal”, disse.

O enterro ocorreu no final da tarde no cemitério Morada da Paz, município metropolitano de Paulista. Uma das netas de Ariano, Germana, se despediu contando que, no ano passado, quando Ariano se recuperou de um enfarte e de um aneurisma, encontrou um popular na saída do hospital que abriu os braços e disse: “Ariano, graças a Deus. E agora?” Germana disse então que neste momento só poderia dizer “Graças a Deus”.

Dilma se encontra com Campos no velório

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Pessoas presentes ao velório de Ariano Suassuna cantaram uma música-hino de Pernambuco, o frevo canção Madeira do Rosarinho, do compositor já falecido José Lourenço Barbosa, o Capiba. Música preferida de Ariano, com o refrão “nós somos madeira de lei que o cupim não roi”, o frevo foi transformado em tema das campanhas de Eduardo Campos ao governo estadual, em 2006 e 2010.

Ariano a cantava onde fosse. Em aulas-espetáculos e em comícios. Ela foi entoada algumas vezes durante o velório, assim como o grito de guerra do seu time de futebol de coração, o Sport. A presidente Dilma as ouviu durante os 40 minutos que passou no velório, pouco antes do seu encerramento. Ela foi acompanhada do ministro dos Esportes, Aldo Rabelo, e do governador da Bahia, Jacques Wagner. Cumprimentou e conversou rapidamente com o ex-aliado e agora adversário presidenciável Eduardo Campos (PSB), que tem ligação familiar, de amizade e política com Ariano. Ela saiu sem falar com a imprensa. / A.L.

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