Chega ao Brasil o segundo volume da trilogia erótica de E L James

‘Cinquenta Tons de Cinza’, primeiro da série, já vendeu 40 milhões de exemplares no mundo

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Por Maria Fernanda Rodrigues
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Estação Paulista do metrô, hora do rush. Enquanto caminha pelos corredores intermináveis, a mulher não desgruda os olhos das páginas do livro que tem em mãos: Cinquenta Tons de Cinza, o primeiro da trilogia da britânica E L James que já vendeu 40 milhões de exemplares no mundo. Na mesma semana, numa mesa de bar na Vila Madalena, quatro amigos conversam sobre a mesma obra. As duas mulheres tinham lido. Eles não. Um não sabia do que se tratava e ouviu da amiga o resumo: “É a história de uma estagiária que vai entrevistar um ricaço lindo para o jornal da faculdade. Ela entra na sala, tropeça, cai, e eles se apaixonam. Ela tem vinte e poucos anos e é virgem. Ele resolve a história e depois propõe que ela assine um contrato sadomasoquista. Quando fazem sexo, ela ‘arfa’. E ela tem uma ‘deusa interior’.” O garoto responde que é o pior enredo que ouviu nos últimos tempos, e o casal na mesa ao lado não consegue não prestar atenção na conversa dos vizinhos. Cinquenta Tons de Cinza é desses livros amados e, às vezes ao mesmo tempo, odiados, e que estão gerando conversas em elevador, clubes de leitura, vídeos na internet - Marcelinho Lê Contos Eróticos é um dos melhores exemplos -, impulsionando as vendas de sex shops e, claro, movimentando a lista de mais vendidos das livrarias, já que outros autores e editoras estão tentando pegar carona no sucesso da inglesa, uma ex-produtora de TV que começou a escrever sua trilogia conhecida como pornô soft porque se encantou com a saga Crepúsculo. Pelos direitos de publicar a obra no Brasil, a Intrínseca, cujo primeiro tiro certeiro foi justamente a série dos vampiros, teria pago US$ 750 mil. O retorno veio desde o primeiro momento. O título de estreia, lançado em meados de julho, já vendeu, de acordo com a editora, quase 300 mil exemplares. Cinquenta Tons Mais Escuros, que acaba de chegar às livrarias, já é o segundo mais vendido da Livraria da Vila. Isso, em dois dias de venda. A vendedora Simone Gerson, da loja da Vila Madalena, conta que são as mulheres as maiores compradoras da obra. “Elas chegam empolgadíssimas atrás do livro, mas há também homens que adquirem o livro para dar à namorada ou à esposa.” O estudante de engenharia de produção Bruno Canasso, de 27 anos, aproveitou a hora do almoço na quinta-feira e foi à livraria Cultura do Conjunto Nacional para comprar um livro que precisa ler para a faculdade. Lá, ele se deparou com uma pilha de Cinquenta Tons de Cinza. Já tinha visto gente lendo a obra no metrô e estava curioso. Folheou, leu na quarta capa que se tratava de uma história romântica entre duas pessoas obcecadas, e ficou ainda mais curioso. “Nunca fui muito apaixonado por ler, mas sempre fui atrás dos livros que despertaram a minha curiosidade.” Comprou. A autora confirma (leia a entrevista na página D4): “É uma história romântica, de paixão. E quando as pessoas se apaixonam, elas fazem muito sexo.” Roteirista e escritora, Juliana Frank, autora de Quenga de Plástico (7Letras), comenta por que acha que o livro encontrou seu público. “É um romance cor de rosa, que se parece com Bianca, da banca de jornal, com um componente além do sexo: a porradaria. Mas como não tem agressividade, fica fácil de aceitar. Além disso, é um livro que cativa as submissas. Elas adoram ler e ver na TV as mulheres dominando a situação romântica sem renunciar ao sentimentalismo puro.” Erotismo e pornografia sempre permearam obras literárias - em todas as épocas e em todos os cantos. Do Livro das Mil e Uma Noites a Os 120 Dias de Sodoma, de Marquês de Sade. De A História do Olho, de Bataille, a Teatro de Sabbah, de Phillip Roth. De Pornopopeia, de Reinaldo Moraes, a Planta da Donzella, de Glauco Mattoso. Porém, não chegaram às listas de mais vendidos e não provocaram disputas em leilões milionários. Literato pornográfico, marginal e maldito, Glauco Mattoso diz-se tranquilo quanto ao fato de outros livros entrarem no terreno que conhece bem. “Eu estaria preocupado se algum de meus livros, que são bem mais pesados e sujos que esse produtinho diet, começasse a ser consumido em massa. O que não quero é virar refri”, ironiza. Para o psicanalista Sergio Telles, cronista do Caderno 2, ao optar pela leitura do livro de E L James a um clássico libertino, o leitor não está preocupado com a alta literatura. Quer mesmo é “satisfazer sua fantasia, divertir-se, excitar-se”. Ele vê com bons olhos o fenômeno e credita isso ao boom da pornografia. “As mulheres estão podendo assumir a sexualidade de maneira aberta.” A pesquisadora Clara Castro, que estudou Marquês de Sade em seu doutorado, acredita que o best-seller caiu no gosto do público porque representa um erotismo velado, simples e ameno. “Não é todo mundo que consegue ler Sade, por exemplo. Ele é pesado e chocante. Já algumas passagens de Cinquenta Tons de Cinza parecem brincadeira de criança”, diz. Mariana Teixeira também estudou romances libertinos no doutorado. Para ela, esse livro faz sucesso porque retoma a fórmula do conto de fadas e mistura com lugares-comuns da literatura erótica. “Além disto, o romance parece oferecer justificativas morais para os comportamentos sexuais dos personagens, o que facilita a identificação de um certo tipo de público”, comenta.

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