"Bioy deu naturalidade ao realismo fantástico", diz Samanta Schweblin

Em entrevista ao 'Estado', escritora falou do legado do escritor argentino para as gerações posteriores; centenário do nascimento de Bioy é nesta segunda-feira, 15

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Por Ariel Palacios
Atualização:

BUENOS AIRES – A crítica portenha considera a escritora argentina Samanta Schweblin como a “herdeira da literatura de realismo fantástico” de Jorge Luis Borges, Adolfo Bioy Casares e Julio Cortázar. No entanto, embora admita que “Borges é alucinante”, não esconde sua preferência: “meu grande amor é Bioy”. Schweblin, autora de Pássaros na Boca, publicado no Brasil, vencedora do Prêmio Casa de las Américas de 2008 e eleita em 2010 pela revista britânica Granta como uma dos 22 melhores escritores da língua espanhola da nova geração, afirma em entrevista ao Estado que o autor de A Invenção de Morel é um escritor “visual”: “ele mostra e o leitor conclui e entende. O entendimento não está em todas as páginas. O entendimento está na cabeça do leitor. Por isso Bioy é interativo”.

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Qual foi a influência de Bioy Casares em sua obra? E a influência de Bioy em seus contemporâneos e gerações posteriores?

Bioy trouxe uma brisa de ar fresco à literatura argentina. Ele contribuiu com uma voz de narrador. Seu tom, de aparente leviandade, possui uma forma descontraída e uma simplicidade que enganam. Quando li pela primeira vez suas novelas Dormir ao Sol e A Invenção de Morel ou seus contos fantásticos, tinha a impressão constante de que escrever era algo fácil, possível. Nessa época, quando era adolescente, e a gente ainda está tomando coragem perante ao mundo da escritura, entender as possibilidades dessa aparente simplicidade de Bioy foi um disparador. Evidentemente, na hora de tentar reproduzir essa simplicidade entendi a complexidade que isso implicava. Mas já era tarde. Eu estava envolvida com isso. Existe algo muito americano em sua pureza de linguagem, sua precisão, seu desprendimento de qualquer dado efêmero. Na hora que a gente vê que a literatura atual foi nesse caminho, dá para ver que Bioy, em sua escritura, foi uma dessas portas para essa outra literatura, americana e anglo-saxã, que tanto influenciou nossa geração.

Prefere a literatura fantástica de Bioy? Ou seus contos policiais?

Desfruto de ambos. Mas, se tivesse que escolher, ficaria com seus contos fantásticos, pois são muito particulares. A literatura fantástica ‘rioplatense’(relativa ao rio da Prata, isto é, uruguaia e argentina) é por si só bastante particular. Não trata de monstros, fadas e dragões. São histórias que ocorrem claramente em um mundo real, contemporâneo, possível. Nelas, o fantástico irrompe com muito realismo. Bioy toma essa tradição e lhe concede uma contemporaneidade renovada. Contar as coisas estranhas e impossíveis com a aparente simplicidade e leviandade propiciou a esse gênero um tom ainda mais realista e possível..

O que acha dos diários pessoais de Bioy? A escritura de diários é uma forma de resolver a tensão entre a obra e a vida de um escritor? O estilo muda?

O estilo muda. Mas nem tanto como poderia ocorrer com outros autores. Acho que isso ocorre porque Bioy, em seus diários, tem essa voz aparentemente natural que tem em suas narrativas. Seus diários são extraordinários. Quando a gente os lê, podemos deduzir alguns mecanismos de construção de sua ‘cabeça de escritor’. Inclusive, alguns assuntos de seus livros aparecem nos diários de forma diferente, talvez em sua forma original ou primária. Sua figura de gentleman portenho, as relações com seus amigos, suas mulheres, sua mãe. A Argentina social, política e cultural desses anos. E, acima de tudo, o imperdível Borges (livro no qual Bioy relata dia a dia seu convívio com o amigo). É um tijolaço de mil e tantas páginas, de notas e notas de Bioy sobre Borges. É tão maravilhoso que a gente vê o Borges como um personagem. E até a gente começa a se perguntar se esse Borges não será a máxima criação de Bioy...

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