Há 70 anos, nascia em Curitiba aquele que viria a ser a principal (atrás apenas de Dalton Trevisan) força literária da cidade, e que alcançaria um público ainda maior do que o do Vampiro. Paulo Leminski – poeta, tradutor, romancista, contista, ensaísta, trotskista, judoca, professor de cursinho, erudito, etc – perdeu para o álcool a guerra contra si mesmo, e morreu precocemente aos 44 anos, na mesma Curitiba que transformou em poesia e que de alguma forma contribuiu para o caráter mais ou menos marginal de seu trabalho.
“Conheço essa cidade / como a palma da minha p...”, diz o poeta em Curitibas. “Sei onde o palácio / sei onde a fonte fica, // Só não sei da saudade / a fina flor que fabrica. / Ser, eu sei. Quem sabe, / esta cidade me significa”.
Para relembrar os 70 anos de seu nascimento, a Bienal do Livro de São Paulo promove neste domingo, 24, um sarau com leituras e bate-papo sobre a obra do cachorro doido – às 20h, se reúnem no Anfiteatro da Bienal Elias Andreato, Cássio Scapin, Ana Cecília Costa, Leonardo Miggiorin e Carlos Careqa.
O caráter agudo do texto de Leminski é o que chama a atenção do ator e diretor Elias Andreato – ele próprio paranaense de nascimento, e que chegou a ver Leminski ao vivo em algum evento em Curitiba. “Gostava daquela figura de outsider, sem preocupação com modismos, sempre voltado para as suas próprias reflexões internas”, diz Andreato. “Eu me identifico com essa poesia que não é bem poesia, que depois que você lê fica latejando”, continua, exaltando o humor sensível que não muito a ver com a piada, nas suas palavras. “Para você gostar, é preciso haver uma conexão com a alma.” Em um evento tão grande, Andreato diz que se conforma com despertar o interesse na poesia de Leminski em algumas pessoas.
Até pouco tempo, a obra do Polaco era elemento cult, disseminado na internet porém difícil de achar nas prateleiras de livrarias. Em 2013, a Companhia das Letras resolveu apostar, e acabou com um straight flush na mão. Toda Poesia vendeu mais de 90 mil exemplares, fenômeno editorial se você pensar no mercado editorial brasileiro de poesia. Lançado em 2014, Vida reuniu ainda a produção biográfica do curitibano (um pouco megalomaníaca se você pensar nos biografados: Cruz e Sousa, Bashô, Trotski e... Jesus Cristo). O livro teve sucesso equivalente ao primeiro.
Houve também o sucesso de crítica. Em um texto publicado no Estado , em 1983, Leyla Perrone-Moisés – crítica literária das mais admiradas e rigorosas do Brasil – assinalou: “Sem demagogia, com amor e humor, talento e lucidez, Leminski vai abrindo caminhos na selva selvagem da linguagem, no repertório caótico de nossas cabeças cortadas. Destila tudo com sabedoria, e suas gotas de poesia são colírio para os nossos olhos poluídos”. Leminski, O Samurai Malandro está, também, no Toda Poesia, assim como outros textos críticos sobre o poeta.
Há diversos vídeos no Youtube com palestras e pequenas falas do Polaco. Mas talvez o melhor documento multimídia disponível sobre o poeta é uma longa conversa de Leminski com alguns jornalistas em Curitiba (um deles, Manoel Carlos Karam, também escritor) – é possível acessar o áudio da gravação, feita em outubro de 1982, no acervo online do jornalista Aramis Millarch. Ali, o forte sotaque curitibano, a teimosia peculiar e alguma intolerância (característica geralmente obscurecida nos relatos sobre o poeta) ficam muito evidentes.
Magro e praticamente irreconhecível não fosse pelo bigode e pelos óculos (a última foto de Leminski, presente na biografia Leminski – O Bandido que Sabia Latim, de Toninho Vaz, é de cortar o coração - a biografia teve reedições proibidas pela família do poeta), Leminski morreu em 1989, finalmente apagado pelos problemas no fígado causados pelas insistentes doses duplas de vodca que costumavam estar por ali.
SARAU 70 ANOS DE PAULO LEMINSKIAnfiteatro – 23ª Bienal Internacional do Livro de São Paulo (Pavilhão de Exposições do Anhembi, Av. Olavo Fontoura, 1.209, Santana, São Paulo) Domingo (24), às 20h. Retirada de ingressos 30 minutos antes. Grátis. 12 anos.