PUBLICIDADE

Zé Celso retoma a trajetória de Cacilda Becker no palco

Diretor retrata a saga de uma geração ao completar a história da atriz na sua fase carioca dos anos 40

Por Beth Néspoli
Atualização:

Ana Guilhermina é Cacilda Becker, cuja imagem aparece projetada em um telão. Foto: JF Diório/AE

 

PUBLICIDADE

SÃO PAULO - O Teatro Oficina sempre surpreende. Portas abertas, espera-se ver a grande pista de madeira e eis que o espectador se depara com uma tradicional cortina vermelha de palco. Passa-se por ela e lá está a pista, porém suspensa, é preciso descer uma escada para chegar à passarela, que ganhou as linhas sinuosas do calçadão de Copacabana. Próximo à cortina vermelha, o músico e ator Guilherme Calzavara tira um som de seu sax - pouco depois ele entrará em cena como o Zé Carioca, isso mesmo, o personagem dos quadrinhos da Disney. Mas ainda não começou o ensaio de Estrela Brasyleira a Vagar, Cacilda!! - agora com duas exclamações, o segundo espetáculo escrito em parceria com Marcelo Drummond e dirigido por Zé Celso em torno da vida da atriz - acompanhado pelo Estado na noite fria de quarta-feira.

 

Veja também:

 

Do lado de fora, o percussionista Ito Alves acende o fogo numa espécie de pira, que logo leva para dentro do teatro. No fundo da pista, próximo ao janelão de vidro que deixa avistar o céu, Letícia Coura toca um samba no seu cavaquinho. No centro, vê-se um pequeno palco circular em forma de roleta. Logo sobre ele estará Cacilda Becker - interpretada com por Ana Guilhermina - no Cassino Copacabana, na Companhia de Comédia do galã Raul Roulien, no Rio, na década de 40. Nas duas laterais da pista já estão acomodadas as malas que farão as vezes de camarim para os atores dessa peça, que trata dos bastidores do teatro, mais especificamente, do período que vai de 1941 a 1948, numa trajetória que tem início quando a dançarina Cacilda, com apenas 20 anos de idade, sai de Santos e vai para o Rio integrar o Teatro do Estudante, levada pelo crítico Miroel Silveira (Lucas Weglinski)

.

Vozes aquecidas, músicas ensaiadas, objetos de cena conferidos, o público supostamente já dentro do teatro, a atriz Camila Mota vem ao centro da pista para o aviso padrão de desliguem os celulares... Padrão? Não no Oficina. "Podem fotografar à vontade, colocar as imagens no orkut, facebook, YouTube, onde quiserem. Só não usem flashes", diz ela. E ainda avisa que haverá um bar, debaixo do viaduto, para comer alguma coisa no intervalo. Blackout. No telão aparece Bete Coelho, na montagem anterior, Cacilda!, uma exclamação, despedindo-se da família em Santos para ir ao Rio. De mala em punho, muito emocionada, ela entra no alçapão do teatro. Ato contínuo, sai do centro do palco-roleta Ana Guilhermina, linda e, como o espetáculo revelará, igualmente forte no papel. Ela é Cacilda aos 20 anos e sai em plena Central do Brasil.

 

Publicidade

A cortina vermelha se abre e a sonoridade e o colorido do Rio de Janeiro da década de 40 se instaura na pista. Além de sambistas e Zé Carioca descem pelas escadas os prédios de Copacabana, coloridos parangolés dançantes vestidos por atores. A partir daí o público fará um passeio pela história da atriz, do teatro e do Brasil, no primeiro período aprendizagem da Cacilda, que chega ao Rio aos 20 anos, na época áurea da rádio, do samba, da arquitetura moderna.

 

Pelo palco passam desde Getúlio Vargas e Nelson Rodrigues (Victor Steinberg), Bibi Ferreira (Camila Mota), Procópio e Raul Roulien (Marcelo Drummond), Tito Fleury (Ronaldo Dias Paes), marido de Cacilda, até personagens das peças nas quais a atriz trabalhou. Há ainda um constante diálogo entre cena e projeções nos telões. Por exemplo, numa entrevista realizada pelo jornalista Tito Fleury, Ana Guilhermina faz pose para a câmera e, no telão, surge a foto de época, Cacilda Becker com 21 anos. Zé Celso tomou como base as cartas escritas pela atriz à família. O espetáculo arrebata em muitos momentos e tem entre seus pontos altos a música, sempre executada ao vivo, por uma banda. Na pista, soam as vozes das atrizes-cantoras, fortíssimas: Letícia Coura, Adriana Capparelli, Cellia Nascimento e Naomy Scholling, esta última também de canto lírico.

 

Por que voltar à essa atriz que já rendera Cacilda!, uma das mais bonitas montagens do Oficina? "Teatro se aprende com a geração anterior e o AI5, que matou Cacilda, impediu essa passagem. Era uma geração que fazia teatro para todos. Hoje a cultura está muito setorizada. Memória não é nostalgia, é antropofagia. A memória projeta a gente para o futuro."

 

Depoimento de Zé Celso sobre Cacilda

 

CONTiNUA APÓS PUBLICIDADE

"Eu me entusiasmei com Cacilda desde a primeira vez que a vi em cena. Era uma transmissão elétrica. Magnetizava. Trazia à tona instinto e inconsciente. Tinha o corpo elétrico de que Artaud falava. Era uma atriz ciber, à frente de seu tempo. Temos de aprender com essa geração de Procópio e Grande Othelo. Ela aprendeu e depois comeu os diretores do TBC. Não incorporou aquela interpretação abstrata e cafona de ator inglês com copo de mate leão fingindo ser uísque. Cacilda foi o João Gilberto do teatro. O que ele fez na música, ela fez no teatro, só que não foi assimilada porque teve o corte do AI5. Temos que aprender com essa geração que deu Niemeyer, Darci Ribeiro, Gustavo Capanema, Lina Bardi, Drummond de Andrade, Villa-Lobos, Bidu Sayão, Rádio Nacional, e o samba. O samba é forte, profundo. No samba você chora na alegria e ri na tristeza, é como a tragédia grega. O que faço é teatro rebolado. É essencial para a cultura brasileira retomar isso."

 

Estrela Brazyleira a Vagar - Cacilda!! 330 min. 16 anos. Teatro Oficina (350 lug.). Rua Jaceguai, 520, Bela Vista, 3106- 2818. Sáb. e dom., a partir das 18 horas. R$ 40. Até 15/11

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.