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Walmir Amaral, o eterno herói da era de ouro dos quadrinhos

Ex-desenhista de HQs clássicos como 'Mandrake' e 'Fantasma', artista hoje faz camisetas e banners para blocos de carnaval 

Por Jotabê Medeiros
Atualização:

Aos 15 anos, num tempo em que ainda era difícil achar as revistinhas eróticas de Carlos Zéfiro, ele desenhava revistinhas pornográficas para consumo próprio (chovia menino na escola para ver seus cadernos). Aos 17 anos, galego bem-apanhado, namorava uma mulher bem mais velha. Acontece que ela era secretária “de um graúdo argentino” da Rio Gráfica Editora, um portento editorial da época (que depois se tornaria a Editora Globo), nos anos 1960. Ela viu seus desenhos e o indicou. Foi contratado imediatamente. Negociava salários direto com Roberto Marinho e se tornou um dos poucos desenhistas da América do Sul autorizado a desenhar e criar argumentos para as histórias do Fantasma e do Mandrake, dois personagens mitológicos de Lee Falk (que chegou a autografar, em visita ao País, um exemplar desenhado pelo brasileiro). 

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Com a primeira capa de quadrinhos que desenhou, comprou uma lambreta. Colecionava armas, dava tiros nas placas de trânsito pelas estradas. Era um galã da prancheta - o amigo Benício, o famoso desenhista gaúcho das pin-ups, o usou como modelo (e recorreu às suas armas para desenhar agentes secretos). Um dos personagens que criou, o Vingador Mascarado, foi campeão de cartas da Editora Globo durante anos. Fazia parte de uma elite dos gibis, ao lado de colegas como Flávio Colin, Jayme Cortez, Guttenberg Monteiro, Milton Sardella, Shimamoto, Getúlio Delphin, Edmundo Rodrigues.

Na quinta-feira, 25 de setembro, às 19 horas, Walmir Amaral deixou a selva da Guanabara e caminhou pelas ruas da Pompeia como um homem comum. Aos 75 anos, carioca do Méier, saiu da Ilha do Governador, onde vive, e veio a São Paulo, acontecimento raro (em 1997, ganhou aqui o Prêmio HQ Mix), para participar do projeto Escola Aberta do Instituto dos Quadrinhos. Os colegas e admiradores foram recepcioná-lo, cartunistas como Spacca e Franco de Rosa.

Walmir Amaral. "O gibi tem de ser autoral, tem que ter liberdade" Foto: Evelson de Freitas/Estadão

Hoje em dia, o desenhista Walmir Amaral é uma lenda recolhida. “Aquele amor que a gente tinha pelos quadrinhos vai terminando. Para mim, o quadrinho tem de ser autoral, da pessoal, tem que ter liberdade para trabalhar. Agora, são equipes que desenham, é tudo feito no computador”, afirma. Está há mais de duas décadas longe dos quadrinhos. Nem os próprios originais ele guardou.

“Dei tudo que tinha, não guardei quase nada. Outro dia fui a uma feira do Clube dos Quadrinhos na Praça XV e um cara já quarentão me abordou: ‘Você lembra que deu uns originais para um garoto de 8 anos? Então, aquele garoto era eu!’. O material que ele tinha valia uma nota, todos queriam comprar dele.”

Os cordões de ouro no pescoço e a camisa aberta no peito, o óculos de aviador e o relógio dourado lembram que é um homem de um outro tempo - parece figurante da novela Boogie Oogie. Durante a Guerra Fria, ele se pegou no centro da controvérsia quando o Fantasma, que usava malha vermelha, foi acusado de ser um personagem comunista. Teve de tornar seu uniforme de herói meio arroxeado, passando um azul por cima do vermelho, para acalmar anticomunistas.

Walmir Amaral era como James Bond: tinha licença para desenhar histórias do Fantasma. Mas havia regras rígidas, e ele, como leitor das tiras desde menino, conhecia todas. “Por exemplo: o Fantasma não matava ninguém nunca, atirava na mão dos bandidos.” 

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Walmir Amaral desenhou Anjo, Zorro, Cavaleiro Negro e O Fantasma. Criou personagens como a dupla de agentes Alex & Cris. Produziu centenas de capas para publicações da editora - é dele a capa do Casamento do Fantasma, por exemplo. Foi um dos criadores do projeto Gibi Semanal, onde atuou como editor e capista. Produzia muito mais de 100 páginas por mês.

Uma vez, Walmir se viu no meio de uma pequena rebelião de desenhistas, reunidos em torno de um sindicato recém-criado. Ameaçavam paralisação. Queriam que as editoras abrigassem mais personagens nacionais. Roberto Marinho o chamou, disse que aquilo não daria certo. “Disse que não era contra, mas desencorajou. ‘Não vende’, ele disse pra gente. Para mim, foi um ótimo patrão.”

Depois dos anos dourados, já trabalhou produzindo material didático para o CCAA e também faz camisetas, banners e folhetos para blocos de carnaval, como a Banda de Ipanema e outras. “Mas não cobro, não ganho nada com isso”, diz. “Não faço mais HQ. Não dá certo, e não existem mais aqueles quadrinhos que se vendia nas bancas. Poucos querem fazer, a maioria foi para agências de propaganda.”

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