PUBLICIDADE

Vida de Gregório Fortunato vira livro

Guarda-costas do presidente Getúlio Vargas e chamado de "Anjo Negro", Fortunato foi acusado de tramar o desastrado atentado contra o jornalista Carlos Lacerda, que agravou a crise política e culminou com o suicídio de Vargas

Por Agencia Estado
Atualização:

Ao iniciar sua pesquisa sobre Gregório Fortunato, o temido comandante da Guarda Pessoal de Getúlio Vargas, o jornalista José Louzeiro dispunha apenas de informações negativas: conhecido pelo sinistro apelido de Anjo Negro, Fortunato foi acusado de tramar o desastrado atentado contra o jornalista Carlos Lacerda, em agosto de 1954, que agravou a crise política e culminou com o suicídio de Vargas. Por esse e outros feitos, foi tachado de "assassino vil e contrabandista" pelo general Góes Monteiro. "Ao longo das pesquisas e das entrevistas, descobri, porém, uma nova figura", conta Louzeiro. "Negro, Fortunato sofreu com o racismo e foi um bode expiatório dos Vargas, encobrindo todas as falcatruas da família durante o tempo que foi seu empregado." Louzeiro pesquisou em mais de 300 livros, fez entrevistas em Porto Alegre, São Borja, no Rio de Janeiro, em São Paulo e São Luís (onde descobriu Abel de Oliveira, o desaparecido filho de Gregório, que conviveu com o pai no Catete) para escrever O Anjo da Fidelidade (Editora Francisco Alves, 551 páginas, R$ 42). Impressionado com o que descobriu, decidiu colocar um subtítulo: A História Sincera de Gregório Fortunato. "Ele passou a vida defendendo os Vargas, mas não foi defendido por eles no momento decisivo de sua vida." O jornalista teve duas conversas com o guarda-costas, no período em que cumpriu pena no presídio Frei Caneca, no Rio de Janeiro, pelo atentado contra Lacerda. "Ele falava pouco, com pausas misteriosas", lembra-se. "Mas era possível notar que a decepção com os Vargas era muito grande, especialmente com Benjamin, o irmão caçula de Getúlio." Louzeiro lamenta não ter conseguido ter acesso às anotações que Fortunato fazia em sua cela, fichas em que escrevia sua memória e que sumiram misteriosamente depois de sua morte, em 1962. "Ele era um arquivo vivo que ainda tirava o sono de muita gente." Provavelmente ali estavam fatos confidenciais que Fortunato teve o privilégio de acompanhar. Filho de ex-escravos, ele associou sua vida à família do presidente, criando uma fidelidade indissociável. "Gregório praticamente não teve uma vida pessoal; a partir do momento em que passou a conviver com a família Vargas, afastou-se apenas uma vez, no Natal de 1948, quando festejou com seus parentes", conta Louzeiro. A servidão começou cedo, na estância dos Vargas em São Borja, onde, aos 14 anos, Gregório Fortunato era pajem de Benjamin, o Beijo. Forte e grandalhão, o Nego, como o chamavam, defendia com os punhos os desafetos dos filhos do general Manoel Vargas. O serviço, aliás, era intenso: ainda jovens estudantes, em Ouro Preto, em 1897, Viriato, Protásio e Getúlio envolveram-se no assassinato do estudante paulista Carlos de Almeida Prado - como não havia provas, Fortunato dificultou o andamento das investigações e possibilitou a volta segura dos irmãos para o Rio Grande do Sul. O grande protegido, porém, era o caçula, justamente o mais problemático. "Beijo tinha atitudes criminosas, mas era adorado por Getúlio, que o tratava como um filho", comenta Louzeiro. "Até mesmo quando queria exprimir sua felicidade, Beijo era violento, como durante uma feijoada, no Copacabana Palace, em que se pôs a atirar nos candelabros porque estava adorando a comida." A fidelidade do Nego convenceu Beijo a transformá-lo no chefe da recém-criada Guarda Pessoal de Getúlio Vargas, em 1940. "Beijo foi meu ´pai´ e também a mão que me empurrou para o precipício", lamentou-se Fortunato, anos mais tarde, na prisão. A guarda começou a trabalhar em 1942, durante um comício na Cinelândia. Dias depois, em Volta Redonda, exibiu sua eficiência: Fortunato percebeu a ação de um atirador e colocou-se à frente de Getúlio, tomando o tiro e salvando o presidente. Nascia o "Anjo Negro". "Sua importância cresceu a ponto de provar a comida antes de Getúlio dar a primeira garfada e, para desespero da d. Darci, mulher do presidente, era Gregório quem levava o presidente para seus encontros amorosos", conta Louzeiro. Fortunato fortalecia seu poder e apenas seu consentimento permitia o acesso de políticos, militares e artistas a Getúlio Vargas. Com isso, começou a colecionar inimigos poderosos como o general Góes Monteiro e Filinto Müller chefe da polícia do Estado Novo. Foi graças a esse poder que seu nome despontou como o principal articulador do plano de assassinato do jornalista Carlos Lacerda, crítico ferrenho de Vargas. "A idéia partiu de Beijo, mas Gregório achou o plano tão absurdo que riu na cara dele. Beijo o ameaçou então de demissão caso não participasse do complô", lembra o jornalista. "Gregório não acreditou também quando contaram que o pistoleiro escolhido seria Alcino João. Na conversa que tivemos na prisão, ele me disse: - Eu teria chamado um gaúcho ou eu mesmo faria o serviço e não deixaria na mão de um vesgo como o Alcino, que nem sabia atirar direito. Lacerda saiu apenas ferido do atentado, que teve como vítima o major-aviador Rubens Florentino Vaz. Com a Guarda Pessoal sob suspeita, Fortunato foi preso e julgado logo depois do suicídio de Vargas. Foi condenado a 25 anos. Na prisão, apelidado de "tenente" pelos presos, o "Anjo Negro" recebia visitas de Betty Santiago, socialite que queria conhecê-lo e com quem teve momentos íntimos. Apesar da vida regrada, que lhe rendeu redução da pena, foi morto em 1962 por outro preso, Feliciano Dias, que, enciumado, o atingiu com uma faca de cozinha como vingança por ter protegido seu namorado em uma briga na enfermaria. "Nem o crucifixo de ouro sumiu da cela, apenas as fichinhas em que escrevia suas memórias, o que prova que ele ainda incomodava", nota Louzeiro, que já está adaptando seu livro para o cinema, em projeto a ser dirigido por Zeca Zimerman. Dois atores interpretarão o personagem em fases distintas: Norton Nascimento será Fortunato quando jovem e Toni Tornado interpretará a fase final do "Anjo Negro".

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.