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Urgências do amor

Valia tudo, exceto os finalmentes, reservados para a jubilosa noite de núpcias

Por Humberto Werneck
Atualização:

Nas urgências da adolescência, com os hormônios em permanente ebulição, eu achava que a lua de mel deveria vir antes, não depois da cerimônia de casamento. E que o caminho até o altar (nas famílias católicas, não bastava a catraca do juiz de paz), pois era este o pedágio para chegar às vias de fato, precisava ser mais curto, sem todos aqueles recatados prolegômenos subsequentes ao primeiro olhar. Como eram arrastadas as burocracias do amor, naquela Idade Média! E ai das meninas que deixassem transparecer, logo de cara, sua vontade de namorar certo menino; corriam o risco de se verem indelevelmente inscritas numa desprezível (embora requisitada) categoria de denominação avícola, se me faço entender, em oposição às moças “pra casar”, as moças de família. Para não se confundirem com as “fáceis”, estas eram ou faziam-se de “difíceis”, numa laboriosa construção de barreiras destinadas a conter os mais afoitos. A contragosto, algumas, talvez muitas, quem sabe a maioria; lembro de uma que veio se queixar de estar enredada num namorado “respeitador”, quer dizer, inoperante. Na mão oposta, me lembro de um rapaz do bairro que em muitos fins de tarde nos entreteve com relatos de progressivos avanços no trato & tato de afogueada criatura, por ele mesmo catalogada na tal categoria avícola. Um dia, ele deixou de aparecer - e quando voltou, meses mais tarde, reagiu indignado a nossas habituais cobranças de mais capítulos lascivos; comunicou que estava noivo da moça, com a qual, devidamente depenada, veio a gerar numerosa e ruidosa ninhada. Numa balança em que atração e recato precisavam pesar o mesmo nos dois pratos, a abordagem costumava ser complicada. Muitas vezes era necessário recorrer a terceiros para avaliar as próprias chances. “Tem pra mim?”, indagava o frangote ou frangota quando “gamava” - este era o verbo, gamar, sinônimo de apaixonar-se. Mesmo quando o intermediário voltava com a informação de que “tinha” para você, era preciso não ir muita sede ao pote. Pois a mãe do pote, comunicada de que havia um gaviãozinho a sobrevoar, tratava de informar-se sobre a ave, já que havia tantas de rapina. “É gente do nosso meio?”, indagou da cria uma senhora numa ocasião em que o gavião era eu - e só baixou a guarda quando a menina esclareceu tratar-se de um “filho do dr. Hugo e da dona Wanda, do Movimento Familiar Cristão”: “Ah, então pode!”. Em crise de autoafirmação, fiquei arrasado. O minueto amoroso adolescente, no início dos anos 60, não dispensava uma sucessão de lances, tanto quanto um doutorado os degraus da licenciatura e do mestrado. O que não significava que no escurinho do portão não houvesse quem se doutorasse antes mesmo do vestibular. Já com o status de namorado, partia a jovem ave para a primeira conquista no plano corporal, que consistia em “pegar na mão”. Já estou pegando na mão, comunicava o moço a seus comparsas, invadido por um orgulho de macho que lhe enchia também os corpos cavernosos da alma. O passo seguinte, no figurino ortodoxo, era, semanas mais tarde, a “mão no ombro”, poleiro no qual, irrequietas, as falanges não viam a hora de marcharem rumo a paragens mais deleitosas da topografia feminina, numa sofreguidão tamanha que às vezes a senhora dos territórios, não necessariamente por inapetência, precisava botar freio numa digitação por demais audaciosa. Peço licença para descer a pormenor em mais de um sentido baixo, aqui evocado apenas como ilustração de tempos felizmente passados: numa época em que reinava soberana a cueca samba-canção, e as calças eram perigosamente anchas, muitos moços, quando em situação de namoro, não viam outro jeito senão recorrer a um suporte atlético, no afã de disfarçar inconveniências.  Achava que isso só acontecia no sufocante ambiente moral das Minas de então - até ouvir, num auditório cheio, a confissão de um poeta, dos melhores que temos, por sinal, fino nas artes como no mais, de que a moçada carioca de seu tempo, menos contida que a mineira, também se valia do providencial suporte, em cuja embalagem, aliás, a figura de um símio musculoso, equipado com a coisa, parecia confirmar o bordão segundo o qual “o macaco tá certo”. Virgindade, mas só a feminina, era um requisito sine qua non, não faltando relatos de namoros e mesmo noivados rompidos por infração à cláusula pétrea. Com as devidas cautelas, até que valia tudo, exceto os finalmentes, estando estes reservados para a noite de núpcias. A qual, em Belo Horizonte, para endinheirada “gente do nosso meio”, virou moda transcorrer no Hotel Del-Rey, onde amigos e familiares desembarcavam os nubentes, levados em carrões em cuja rabeira retiniam latas vazias, numa ruidosa comemoração do fim de noites e noites de exasperadora abstinência. Adolescente, não me lembro de ter passado por ali, a que hora fosse, sem espichar um olho invejoso e lúbrico para o Del-Rey, que vinha a ser, mais que hotel, um altar sacrificial de virgindades. Era aqui, gemia eu, era aqui que a coisa deveria começar! 

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