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Luzes da cidade

Turismo sexual

Era uma vez, há décadas, uma menina carioca de nascimento e nova-iorquina de criação.  Quando chegou à primeira série da escola pública, era popular e tinha um carnê social exaustivo de festas de aniversário, passeios e convites para fins de semana com outras famílias. Nova York sendo a cidade mais multicultural das Américas, a menina circulava com desenvoltura entre porto-riquenhos, coreanos, japoneses, árabes e até norte-americanos.

Por Lúcia Guimarães
Atualização:

Era instrutivo observar a língua franca entre as garotas, ancorada na cultura local, nos programas de TV, na fast-food, na música pop sofrível e na rigidez da moda a cada temporada.

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A menina adorava as férias brasileiras, duas por ano, num total de três meses. A certa altura, aos 7 anos, ela foi observada retirando um traje de couro branco do fundo da mala que chegara do Rio e depositando o traje no fundo de uma gaveta de onde não sairia mais até a próxima reentrada em território brasileiro. Poucas palavras foram trocadas. A menina tinha seduzido seus avós idosos para comprar o traje caro, sabedora de que não teria o mesmo sucesso com seus pais.

Mas não era preciso discutir. Por instinto, percebeu que aquele traje tinha dois significados: inclusão na cultura televisiva mirim no Rio e uniforme de adulta de reputação duvidosa em NY. Como toda criança, ela queria pertencer à turma certa, onde estivesse. Poupava-se, sem saber, da aparência de sexualização da infância que era mais aceitável numa cidade do que na outra.

Ainda na escola pública, a menina, já aos 13 anos, era alta, esguia e bonita. Certa vez, voltou para casa animada com uma circular na mochila. A carta comunicava aos pais que scouts de uma produtora subcontratada pela grife Ralph Lauren iam baixar na escola para vasculhar aquele reservatório de puberdade. As crianças escolhidas ganhariam US$ 250 de diária para posar. A menina sabia que tinha boas chances de ser notada. Para seu horror, a circular assinada e devolvida no dia seguinte recusava acesso àquela menor de idade.

Dias de tensão e algum choro se seguiram. A explicação não aplacava a raiva: A escola deve ser o lugar seguro onde adultos não vão selecionar crianças por aparência; como se sentiria se tivesse acne, se fosse obesa e estranhos chegassem à sua sala de aula para lhe julgar e discriminar contra você, desprezando seu talento e esforço no estudo?

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A imagem do uniforme de precocidade vulgar escondido no fundo da gaveta de roupas de criança acaba de me voltar à memória. Olhava a imagem de uma mulher nua posando com a faixa presidencial na frente do Congresso Nacional em Brasília, como se participasse de um comercial de turismo sexual no Brasil. Ela se anunciou como a nova primeira-dama do Turismo e alistou o marido ministro para um ensaio fotográfico de uma vulgaridade que não teria passado pela imaginação de Dias Gomes. Percorri sites pornô onde a mesma figura posava nua ao lado de vídeos de imagens sexuais explícitas.

Mas a pornografia que assola o País não vem de um corpo siliconado desmoralizando o poder público, como sabem milhões de novos desempregados brasileiros. Ao contrário daquela menina bilíngue, mal consegui decodificar a confusão cultural. O próprio 86.º ministro da roleta ministerial dilmista teve a cara de pau de emitir uma nota condenando o machismo da reação contra sua augusta consorte. Inúmeros jovens, na rede social, consideraram a indignação com a modelo pornô no ministério mero preconceito moralista. Diziam, se ela quer vender suas formas pneumáticas e trabalhar na indústria pornográfica, é problema dela. Confundiam liberdade sexual com a conduta esperada na esfera pública.

A mulher de ministro pelada com a faixa presidencial é a metáfora da nossa era de terceirização do bom senso, delegação ética e de agência individual como uma questão de Estado. Na ausência de adultos para dizer não, os tutelados correm soltos pela capital.  

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