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Luzes da cidade

Tirania programada

A desinformação não teria o poder de minar a democracia sem algoritmos

Por Lúcia Guimarães
Atualização:

A desinformação é um cabo eleitoral poderoso e vai pesar no voto dos brasileiros em outubro. Infelizmente, a expressão fake news foi adotada por políticos e pela mídia no Brasil, embora, como já escrevi aqui antes, tenha sido cunhada para descrever fatos que incomodam, não notícias falsas, e tenha caído no gosto de ditadores. Há projetos de lei em curso no Congresso para criminalizar a disseminação de inverdades. Uma versão, do deputado Francisco Floriano, prevê pena de até oito anos de reclusão – mais longa do que a de homicídio culposo – se a notícia for divulgada em “imprensa, rádio e televisão.”

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Não sei em que século vive o deputado, mas ele me faz lembrar o personagem da campanha publicitária que está sendo exibida nos Estados Unidos. Uma grande operadora que fornece cabo, internet e telefone exalta a eficiência de seus serviços num vídeo narrado por um adulto e, quando ele passa por duas crianças grudadas nos seus celulares, uma delas pergunta, surpresa: quem assiste TV pela TV?

A desinformação não teria o poder de minar a democracia sem algoritmos. Sim, eles são programados por seres humanos, mas não são enquadrados em qualquer código penal, especialmente no Vale do Silício dos gigantes Google e Facebook. A acadêmica Zeynep Tufecki fazia uma busca no YouTube para escrever um artigo, durante a campanha presidencial americana de 2016, quando notou que estava sendo direcionada para conteúdo que não pesquisava ou fazia parte de sua dieta de interesses. Ela começou a busca simplesmente por vídeos de comícios do atual presidente. Aquela lista de vídeos no canto direito da tela foi sugerindo e carregando em autoplay conteúdo cada vez mais radical, como vídeos de supremacia branca e negação do Holocausto.

Curiosa, Tufecki conta num artigo no New York Times: ela criou uma conta separada no YouTube e começou a assistir a vídeos de Hillary Clinton e Bernie Sanders. Bingo, passou a ser bombardeada por conspirações de esquerda, como vídeos sobre o governo americano ser o autor do 11 de Setembro. Incrédula, ela experimentou pesquisar temas não políticos. De novo, até uma pesquisa sobre correr a levou a vídeos sobre ultramaratonas. O algoritmo de recomendação do Google, o dono do YouTube, é feito para dirigir um bilhão de usuários da plataforma de vídeo para extremos porque eles prendem por mais tempo a nossa atenção e, quanto mais tempo passamos ali, mais o Google lucra em publicidade. Ou, como conclui a acadêmica, o YouTube seria a mais potente arma de radicalização do século 21.

Este segredo sujo é confirmado pelo engenheiro Guillaume Chaslot, que trabalhou no algoritmo e, em que pese o desmentido do Google, diz que foi demitido pela empresa em 2013 porque, indignado com a tática usada para manter o internauta no YouTube, fez pressão por mudanças. No mês passado, Chaslot escreveu num tuíte que o algoritmo no qual trabalhou no Google recomendou mais de 15 bilhões de vezes vídeos de Alex Jones. Jones é um ultradireitista lunático que promove todo tipo de conspiração.

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O trauma do recente massacre de 17 pessoas na escola da Flórida foi agravado pela disseminação de vídeos que acusavam alunos sobreviventes, protestando contra a violência de armas, de serem “atores de crise” e não estudantes. Se você pesquisa atores de crise em inglês, vai cair numa série de vídeos argumentando que o massacre de 2012 na escola primária de Newtown, em Connecticut, não aconteceu.

Quem passa mais tempo no YouTube? Jovens. Não há projeto de lei em Brasília que alcance a explosão de notícias falsas hiperpotencializada por um punhado de gigantes da informação digital. Assim como combater o aquecimento do planeta requer acordo planetário, a desinformação é uma epidemia sem fronteiras.

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