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Tabus ganham corpo em ‘Fantasmas’, na montagem do Club Noir

Roberto Alvim ajusta embocadura na obra de Henrik Ibsen e ecoa o poderio do sistema religioso no controle do desejo sexual

colunista convidado
Por Leandro Nunes
Atualização:

O texto é de 1881, mas alguns espíritos não deixam de assombrar nossos tempos de hoje. Na mansão da uma viúva, uma atmosfera de pesadelo atiça um pastor corrompido pelo dinheiro, um mestre de obras disposto a prostituir a própria enteada e a tensão sexual entre mãe e filho.

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O escândalo da estreia terminou por proibir a encenação de Fantasmas em toda Europa. Atualmente, a obra de Henrik Ibsen (1828-1906) é considerada a primeira tragédia moderna da História. “Isso porque ele respondeu à uma questão crucial: ‘Qual é a forma contemporânea do homem?’ Isso tornou sua obra um clássico”, define Roberto Alvim, diretor do Club Noir que estreia a peça neste sábado, 6, no Sesc Santana.

Depois de Casa de Bonecas (1879), umas das principais obras do dramaturgo norueguês, Fantasmas marca uma transição nos próprios escritos de Ibsen. A peça irrompe a discussão dos problemas sociais e cotidianos, apenas, e avança para um terreno mais próximo de um pesadelo ancestral. “A obra se volta para o recrudescimento do fundamentalismo religioso e sua corrupção sem se eximir de ir a lugares ontológicos, lugares onde estão escondidos nossos medos e desejos mais indizíveis”, explica.

Juliana Galdino e Guilherme Weber ecoam um pesadelo na tragédia moderna Foto: Leekyung Kim|Divulgação

No elenco confinado na mansão, Juliana Galdino, esposa de Alvim, também é a Sra. Alving, a mulher que mantém uma relação edipiana com o filho (Mário Bortolotto). Este sofre de sífilis hereditária. De outro lado, o mestre de obras (Pascoal da Conceição) quer prostituir a enteada (Luísa Micheletti) enquanto o pastor (Guilherme Weber) quer transformar o orfanato construído pela viúva em um casa para marinheiros.

Diferentemente de Caesar e O Balcão, suas recentes montagens, Alvim conta que o desafio de Fantasmas está em ativar a força da obra. “O texto tende a ficar tedioso porque segue um fluxo de informações do passado em direção ao presente. Funciona sobre o que já aconteceu. A questão era como fazer esse passado mover o presente, sem que fosse informação morta sendo introduzida”, declara.

Um caminho pareceu sintetizar a estrutura e as maneiras de falar o texto. “O ritmo e o modo são importantes de maneira a não criar um tempo psicológico que seria chato e distensionado. Ninguém está interessado no drama dessas figuras, mas no que esses dramas nos afetam”, explica.

A companhia, que completou recentemente uma década de existência, foi fundada com o intuito de pesquisar dramaturgia contemporânea brasileira e internacional, como explica Alvim. Para 2017, o Club Noir segue com planos de encenar John Gabriel Borkman e Peer Gynt, ambas do repertório de Ibsen. “De um tempos para cá, percebo a riqueza desses autores do passado e de como a nossa humanidade precisa invocá-los constantemente.”

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Para o diretor, essa necessidade se dá em razão do próprio ciclo da vida humana. As pessoas morrem e outras nascem, perdendo, de certa forma, o conhecimento sobre o mundo até então adquirido. Ele explica recorrendo à uma frase de Brecht: “Se fôssemos eternos, tudo mudaria; como somos finitos, muito permanece”.

FANTASMAS. Sesc Santana. Teatro. Avenida Luiz Dumont Villares, 479, tel. 2971-8700. 6ª e sáb., 21h; dom., 18h. R$ 9/ R$ 30. Até 13/12

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