PUBLICIDADE

EXCLUSIVO PARA ASSINANTES

Somos todos

Por Fábio Porchat
Atualização:

João Ubaldo Ribeiro escreveu, um dia, que nós tendemos a nos excluir das generalizações. Quando dizemos: o brasileiro é um povo mal educado, estamos, obviamente, falando de todos os brasileiros menos de nós mesmos, que, olha só, por acaso, somos brasileiros. Quando dizemos: vivemos numa sociedade machista, nos “esquecemos” do fato de que também fazemos parte dessa tal sociedade. É sempre mais fácil dizer que os outros estão errados e prejudicando o bom andamento do mundo, do que localizar em nós os pontos negativos que contribuem para o mau andamento do mundo.  Está incutido na cabeça de todos os seres humanos ocidentais preceitos como racismo e sexismo. Todos nós somos racistas e machistas. Homens, mulheres, negros, brancos, jovens, idosos... Em diferentes níveis, mas todos somos. Infelizmente, isso é incutido no nosso cérebro desde o dia 1. Nascemos todos livres de qualquer tipo de preconceito, mas, ao longo da vida, somos condicionados a um tipo de pensamento vigente que nos induz a uma formação torta de pensamento.  Temos de lutar diariamente contra essas coisas abomináveis para que percam suas forças e apodreçam dentro de nossas cabeças para caírem e sumirem para sempre. Acredito que as coisas estão melhorando. Falta muito ainda, mas tenho a sensação de que meus bisnetos, talvez, não tenham a semente do racismo e do sexismo tão profundamente plantada nos confins da mente. Só pelo fato de falarmos que não somos racistas, já é a grande prova de que somos.  Você não precisa falar que não é uma berinjela, certo? Pois é. Claro que há muitas pessoas racistas e perpetuam essa mentalidade abertamente. Batem em negros, xingam, destratam, descriminam, enfim, aquelas imbecilidades que um ser humano é capaz de fazer por ser babaca. Mas o racismo e sexismo do qual estou falando que temos dentro de nós é mais sutil. E esses são os mais difíceis de serem combatidos, porque precisam de um auto policiamento.  Estou lendo um livro e, só quando cheguei à metade, me dei conta que o personagem principal era negro. Parei para pensar e me dei conta de que nunca na minha vida eu havia lido um livro e pensado o protagonista negro como fruto automático da minha imaginação. Se o autor não falar nada, para mim, ele é branco. Por que isso?  Você pode dizer que, pelo fato de eu ser branco, imediatamente me projeto ali. Se eu fosse negro, talvez meus personagens fossem sempre negros. Será? Fico na dúvida. Com o machismo, a mesma coisa. Aceitamos coisas como normais. Nunca vi um garçom entregar a conta para uma mulher na mesa se houver um homem sentado junto. Nem o garçom acha estranho, nem o cliente homem e nem a cliente mulher. Por que o homem sempre paga a conta? No passado, era porque detinha o poder financeiro numa relação. Mas hoje em dia não é mais assim. Ah, você me indaga, mas não é gentil o homem oferecer o jantar para sua acompanhante? É, claro que é, mas pelos motivos certos. Por você querer ser gentil com a pessoa, independente do sexo, e não pelo simples fato dela ser uma mulher. Essas “pequenas” coisas precisam ser sanadas do nosso inconsciente para que consigamos, um dia, viver num mundo em que opressor e oprimido sejam a mesma pessoa e a luta interna de cada um.

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.