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Segreto: o enfant terrible da moda

Livro oferece a chance para se redescobrir o trabalho de um dos mais geniais estilistas brasileiros

Por Flavia Guerra
Atualização:

Brilhante, original, passional, polêmico, determinado, obsessivo, detalhista, luxuoso, destemido, sonhador, irônico, romântico, inquieto, curioso, pioneiro, sensível, criativo, ousado, moderno... Não bastam adjetivos para definir o gênio de um dos mais marcantes estilistas brasileiros: Conrado Segreto. Enfant terrible da moda, o paulistano nascido e crescido na Vila Romana sacudiu o cenário fashion nacional no fim dos anos 80 com seu estilo único e provocativo. Autodidata e absolutamente apaixonado por seu ofício, já desde pequeno dizia a que viera. Fascinado por concursos de Miss, ainda menino criava para suas musas peças que evocavam o luxo e a sofisticação.

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Cresceu e apareceu, com seu olhar e traço singular. Do trabalho como assistente de Gloria Coelho a seu primeiro, e lendário, desfile na Casa Rhodia em 1989, integrou a Cooperativa de Moda (coletivo de jovens talentos da época, ao lado de Walter Rodrigues, Jum Nakao e Marita de Dirceu) e passou pelo Studio Berçot, de Marie Rucki, em Paris. Em uma época em que o minimalismo japonês e as formas amplas ditavam moda e o mundo da alta-costura perdia espaço para o sport wear, Segreto destoava da corrente vigente e evocava uma mulher feminina e luxuosa, clássica e ousada ao mesmo tempo.

Conrado morreu jovem, aos 32 anos, em 1992, em decorrência da aids. Realizou apenas quatro desfiles, mas todos inesquecíveis. Deixou um legado inestimável que, por ironia da tradição brasileira de não valorizar sua história, é pouco conhecido das novas gerações. Por isso, mais que oportuna é a chegada de Conrado Segreto - Moda e Paixão, livro que tem lançamento no dia 10, às 19 horas, na Livraria da Vila do Shopping JK Iguatemi - um sonho antigo de Rita Segreto, irmã do estilista.

Para acompanhá-la na empreitada, Rita convocou a jornalista Eva Joory, que acionou outros grandes nomes da moda brasileira para relatar, testemunhar e relembrar a carreira de Segreto. "A ideia surgiu há anos, mas só agora se concretiza. Levei muito tempo para começar a mexer em tudo que o Conrado deixou. Era difícil, mas eu tinha de revisitar sua história", conta Rita, que conheceu Eva há cerca de dois anos. "Tínhamos amigos em comum. Rita comentou que havia emprestado croquis para uma revista que preparava um artigo sobre ele. E eu estava escrevendo sobre o Conrado para a mesma revista! Assim começou", relata Eva.

Para refazer o traçado de Conrado na moda, a dupla faz uma combinação criativa de croquis, fotos e textos. Enquanto Eva contextualiza e rememora a trajetória do estilista, textos de Regina Guerreiro, Tufi Duek e João Braga, entre outros, colocam em perspectiva a personalidade, o trabalho, as criações e, principalmente, as sensações que Conrado provocava.

Some a esse já vasto e colorido material depoimentos curtos, mas precisos, de Costanza Pascolato, Gloria Coelho, Giovanni Frasson, Walter Rodrigues, Claudia Liz e Patricia Carta. Temos, então, a moda e a paixão, como declara o título do livro, que moviam a vida de Segreto, condensados em um volume importante para a documentação da história da moda brasileira. "Há pouca cultura e poucos livros de moda no País. Este é oportuno tanto para quem viveu essa fase quanto para as novas gerações", comenta Costanza ao Estado, em conversa sobre o legado de Segreto.

Para Rita, o irmão foi um dos primeiros estilistas do País. "Até Dener e Clodovil eram costureiros. Conrado era criador. Foi precursor." Costanza agrega: "E tinha a inteligência e esperteza de adicionar um veneno, uma modernidade, algo contemporâneo aos modelos tão clássicos e inspirados nos anos 50 que criava."

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Para lançar sua alta-costura, que dialogava com a moda internacional mas era muito brasileira, Segreto criou desfiles que entraram para a história. Não bastava desfilar suas coleções em que técnica e instinto se equilibravam no uso preciso de referências da moda europeia e de ingredientes pops. Era preciso impactar, como em seu penúltimo desfile, no Museu do Ipiranga, em 1990, para o qual tingiu a fachada de cor-de-rosa. Trouxe uma coleção rebuscada em que looks com penas, plumas, volumes e cores dividiam a passarela com o Coral Lírico do Teatro Municipal e com a escola de samba Camisa Verde e Branco.

Essa seria, então, uma de suas maiores marcas e diferenciais? "Sim. Ele queria reinventar, mas sem perder a elegância e a sofisticação. Moda para ele era exclusiva, para ser usada nos grandes salões. A banalização que se vivia, e domina hoje o cenário com as coleções comerciais prêt-à-porter, era tudo o que ele não queria e criticava veementemente", comenta a consultora, que sempre ouvia sugestões afiadas do estilista. "Ele gostava de provocar. Tinha língua ferina e não tinha medo de dizer o que pensava nem de fazer críticas. E me perguntava: ‘Quando você vai vestir rosa?’ Eu, que na época usava muito preto, só respondia: ‘Não vou’", recorda ela, para quem a influência de mestres como Yves Saint Laurent, Balenciaga e Christian Dior foi decisiva para carreira de Segreto.

Segreto teria espaço no atual cenário fashion, em que até as grandes maisons se adaptam ao mercado de massas? Talvez, com seu talento para apimentar os clássicos com toques pops, como lembrou Costanza, ele seria um dos mestres da união entre tradição e modernidade. Talvez tenha razão o estilista Tufi Duek, que declarou no programa Roda Viva, da TV Cultura, em janeiro: "Era um talento. Se ele estivesse vivo, teria uma carreira internacional fácil!"

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