Rodrigo Campos vai de São Mateus à sua ‘Bahia Fantástica’ e entra com tudo para os grandes da música brasileira

Ele é o autor de um dos discos mais aguardados de 2012, que chega às lojas este mês. Enquanto espera, conheça melhor a vida e a carreira de Rodrigo Campos

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Você conhece o sujeito da foto aí ao lado? Ele é Rodrigo Campos. Não é tão conhecido a ponto de ser famoso, mas também não é um completo estranho na cena musical de São Paulo. Rodrigo é um dos artistas mais bem falados de sua geração. 

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Compositor dos bons, cavaquinista e violonista dos melhores, chegou ao segundo álbum da carreira, Bahia Fantástica, com uma façanha que ultrapassa a qualidade estética do disco. Reuniu nele outros músicos do mesmo quilate que o seu por pura admiração dos colegas. Conseguiu, em três anos, desde o lançamento de São Mateus Não É Um Lugar Assim Tão Longe, em 2009, o reconhecimento de muita gente. E, também por isso, merece as páginas a seguir - e a sua atenção.

Seleção natural

Foi-se a luz e as três campainhas liberaram a entrada de Rodrigo Campos no palco do teatro da Sala Guiomar Novaes, na Funarte. Camisa florida, boina inexorável e violão modernoso embaixo do braço. Era a primeira vez em mais de um mês que fazia um show só seu, apenas com composições próprias. 

Não que estivesse em ócio criativo: terminara a gravação do segundo disco, buscava algum selo para lançá-lo, organizava uma sessão de fotos para o novo álbum, coordenava projetos de shows e continuava se apresentando quase toda semana, fosse na roda de samba no Ó do Borogodó; com Kiko Dinucci, Marcelo Cabral e Romulo Fróes na banda ‘Passo Torto’ ou em outras incursões.

Rodrigo faz parte de uma geração de artistas que não se limitam à própria criação. Está aqui e acolá numa cena musical profícua e articulada. Por isso, consegue se apresentar mais do que o normal entre músicos do mesmo porte. Se Cabral não pode estar no Sambanzo, lá vai ele com seu violão e cavaquinho para substituí-lo com novos arranjos para as músicas, acompanhando as levadas de Thiago França no sax. Às vezes, se apresenta com Romulo Fróes e pode acontecer de tocar com a mulher Luiza Maita, fazer uma participação no show de Criolo ou em um dos outros projetos de Kiko. 

Há entre eles um acordo tácito de escambo artístico. A flexibilidade musical e o talento deram a Rodrigo um bom poder de barganha. Reconhecido pela habilidade e estilo peculiar (no violão e no cavaquinho), o músico gravou com Romulo Fróes o Labirinto em Cada Pé e está na produção do próximo disco do compositor; produziu algumas faixas do Sambanzo; emprestou o cavaquinho e a percussão ao Nó Na Orelha, de Criolo, com produção de Marcelo Cabral; e ao disco homônimo do Metá Metá, entre outros.

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Quando se refere a este núcleo, Rodrigo faz questão de falar da proximidade deles, de como foi a vivência a responsável pela cooperação artística - e não o contrario. 

Panela aberta

O primeiro com quem tocou, ainda que a amizade só viesse a se consolidar em 2008, quando montaram a Gafieira Nacional, foi Thiago França. Rodrigo acabara de voltar de uma série de apresentações com o clarinetista Paulo Moura em 2004 e era o cavaquinho que levava os sambas no projeto Teatro Samba do Caixote. Thiago fora substituir o saxofonista do grupo e, enquanto ensaiavam no camarim, ouvira Rodrigo fazer um pequeno solo no instrumento. Pediu que ele repetisse a melodia no palco, Rodrigo tentou declinar (não gosta de solar, diz não se sentir confortável) e ouviu Thiago emendar de pronto: “Você não foi o cara que tocou com o Paulo Moura? Sola aí!”. E Rodrigo solou.

Marcelo Cabral ele conheceu quando lançou o primeiro disco São Mateus não é Um Lugar Assim Tão Longe, em 2009. Durante a turnê de lançamento do disco, Cabral substituiu o violonista oficial da banda. Foi tão preciso, que tomou o posto para si. Estreitaram laços na fossa amorosa quando, no mesmo período, os dois terminaram namoros longos.

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Numa roda de samba, em 2009, ele substituto do cavaquinista e Kiko o do violonista, tocaram juntos sem sequer se apresentar, acompanhando harmonias de improviso em sambas de Itamar Assumpção, Wilson Moreira e cadências menos famosas de João Nogueira e Paulo Vanzolini. Sentaram-se juntos depois do show e de lá a amizade segue.

O burburinho causado por ‘São Mateus...’ fez Romulo ir em busca de Rodrigo. Mesmo vendo no palco um show morno, conta Rômulo, percebeu nas músicas o talento de compositor. Cumprimentou-o friamente ao final da apresentação e, depois de alguns encontros, decidiram trabalhar juntos.

Só no final de 2010, começaram a se organizar. Segundo Thiago, entre o carnaval, a copa e as eleições, os shows minguaram. Decidiram se juntar e inventar projetos. Sambanzo, Marginal, Metá Metá e o Passo Torto nasceram como idéia nessa época, ele conta. Menos de um ano depois, os projetos já tinham virado bandas e discos.

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Em três anos e poucos meses, Kiko, Marcelo, Romulo e Rodrigo já gravaram um disco de sambas cadenciados e quebrados com o Passo Torto e, com Thiago, entrecruzaram-se em composições e produções de álbuns. Almoçam juntos pelo menos uma vez na semana ou se encontram para um chope, frequentemente no Sabiá. Em comum têm, principalmente, o samba e a maneira como se apropriam dele.

Foi-se o samba
O samba continua na essência de suas composições, no modo de escrever as canções, mas diluído em influências que vão de Curtis Mayfield a Funkadelic aos 12, o violão veio pouco depois. Aos 14 era o Rodriguinho, que tocava com Tocão do Banjo e Tim Maia, conta Everson Pessoa, músico do Quinteto em Branco e Preto, amigo de Rodrigo em São Mateus. Aos 20, em 2000, quando começou a estudar música na Fundação das Artes, em São Caetano do Sul, abriu-se o leque de influências.
Ele afirma não se sentir confortável no rótulo de sambista. “Sou muito moderninho para os sambistas e pouco moderno para quem se diz moderno”, costuma dizer rindo. “Sou um bom instrumentista, posso tocar quase tudo de Cartola, mas não me sinto um sambista”. 
Atualmente, diz se identificar com as sonoridades de Curtis Mayfield (tocará o ‘Superfly’ inteiro em um show no segundo semestre) e Funkadelic - apesar de conhecê-los há pouco mais de um ano, como contou Thiago, responsável por lhe apresentar os artistas usados como referência nas gravações e composições do seu segundo disco. “O Rodrigo tem uma lacuna de referências”, revela Kiko, “mas tem também uma curiosidade incrível.” Rindo, Romulo lembra de quando mostrou Joy Division a Rodrigo. “Cara, imagina conhecer Ian Curtis depois dos 30 anos? É um privilégio.”
Fã de quadrinhos e filmes italianos, descreve cenas de um modo tão próprio que parece ter sido ele o inventor das sequências e personagens. Gosta de explicar ambições estéticas a partir de estilos cinematográficos. Planos prolongados, cenas de silêncio e afins, são justificativas que parecem elaboradas para ele mesmo. Fala do silêncio dos filmes de Michelangelo Antonioni e de como pensa em compor assim, com cenas prolongadas e intervalos dramáticos.
“Um dia ele colocou na página dele na Trama que tinha influência de Pollock!”, conta Romulo. “Eu disse, ‘que Pollock, mano?! Tira isso’. Ele me explicou que viu o filme (Pollock, 2000) e a coisa da arte nascer ali, espontânea como a tinta no chão, tinha a ver com o jeito dele de criar. ‘Não viaja, Rodrigo, aquilo é filme, Hollywood. Pollock não é assim.” Contrariado, ele tirou o nome do artista do seu perfil. Com ou sem expressionismo abstrato, todos elogiam sua capacidade de narrar. 

Histórias em miniatura

Em ‘Califórnia Azul’, música do primeiro disco, constrói em três versos todo um capítulo da história de amor que narra. Da compra da arma à decisão de matar o bandido do bairro, namorado da menina por quem seu personagem se apaixonou.
Crescer em São Mateus formou seu comportamento e suas referências mais profundas. Educado, tem a fala mansa e uma paciência monástica. “Lá em São Mateus não podia chegar nos lugares falando alto, cumprimentando todo mundo aos gritos, senão batiam no seu peito para perguntar que história era aquela. Tinha que chegar na cautela”, explica.
Costuma observar antes de tecer comentários e está atento a detalhes de situações - seja um aperto de mão diferente ou o modo de falar de quem está por perto. Demonstra insatisfação com um silêncio profundo e demorado - às vezes acompanhado de um riso com o olhar fixo no interlocutor, que precede um comentário (sempre polido) de desaprovação do fato.
Noutras, apenas se retira do ambiente para não se indispor com alguém. “Uma vez, no Ó do Borogodó, Rodrigo ficou pedindo correções no som durante a passagem. Pedia, pedia e o cara não acertava. Aí ele se levantou, virou, colocou o cavaquinho no banco e saiu andando”, lembra Kiko, reencenando o episódio.

No palco, parece um Charlie Brown malandro, de camisa com dois botões soltos à altura do peito, pelos à mostra e uma timidez perceptível. 
Da periferia, manteve a biografia, que não carrega ou evoca evidentemente, a não ser quando perguntado sobre o período Em São Mateus. Vivendo em Pinheiros, diz que só recentemente começou a se sentir mais parte da cidade. “Quando saí de São Mateus, percebi o quanto aquele lugar fazia parte de mim”. Deixou definitivamente o bairro em 2003, no mesmo período da prisão do irmão, condenado por roubar carros. Efetivamente, já não estava por lá desde 2000, quando começou a estudar na Fundação das Artes em São Caetano do Sul e a passar temporadas na casa de uma ex-namorada, na Mooca.
Gosta de caminhar por São Paulo, ir de metrô aos lugares (recusou a oferta do carro da reportagem duas vezes) e circular pelo bairro como andava intimamente pela periferia. Na San Siro, panificadora das redondezas, pede pão francês na chapa e uma média no balcão. “A coxinha daqui também é boa, com a casca durinha e sequinha como era lá em São Mateus.” 

Personagem fantástico

Os contrastes na personalidade aparecem nos temas aos quais se dedica e como os apresenta. Nas suas canções, o jeito manso é usado para tratar de assuntos agressivos. Morte e violência (física, psicológica e social) são recorrentes. Aos 34 anos, aproximou a morte de si mesmo, preocupado com a finitude e o sentido da vida. Ainda que tenha cantado sobre mortes em ‘São Mateus...’, fez a partir do que viveu quando morou no bairro, como observador e cronista. ‘Bahia Fantástica’, título de seu novo disco, traz a sua percepção, desta vez mais íntima, sobre o assunto. “O que é morrer? É só acabar? Essa morte no ‘Bahia Fantástica’ pode ser metafórica. Como algo que termina.” 
Quando perguntado sobre suas composições, é quase didático nas explicações, mesmo com as constantes ressalvas de que “cada pessoa pode entender o que quiser” de suas músicas. Exemplifica intenções citando os próprios versos. Explica como ofereceu a Bahia aos ouvintes com os versos de ‘Cinco Doces’. E sabe usar sua capacidade criativa como argumento para as possíveis acusações de conhecimento restrito sobre o cenário inventado do disco. Da Bahia, de fato, sabe dizer dos dez dias de estadia em Itapuã, bairro de Salvador; das canções sobre o estado e de ‘Capitães de Areia’, único livro lido de Jorge Amado. “Não falo de uma Bahia geográfica, mas de uma Bahia subjetiva, metafórica. Ela é um lugar que eu inventei. Não é pesquisa, é arte”.

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Hoje (9) - Toca com Marcelo Cabral, Kiko Dinucci, Thiago França e Pimpa, no Ó do Borogodó, a partir das 22h. 
Domingo (11) - Faz show com mais de 50 artistas no Teatro Oficina, 17h.
Sexta (22) - Toca com Romulo Fróes no Sesc Consolação, 21h.
Domingo (1/4) - Desta vez, se apresenta com o Passo Torto no Sesc Itaquera.
Quinta (31/5) - Show de lançamento do ‘Bahia Fantástica’ no Sesc Vila Mariana.

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