Foto do(a) blog

Luzes da cidade

Ri melhor quem ri sempre

Vocês conhecem a história do dia em que um barril de armazenar petróleo foi preso? O barril infrator estava numa das ruas mais movimentadas de Belgrado. Fora plantado ali por estudantes que militavam contra a ditadura do sérvio Slobodan Milosevic, o líder genocida que morreu numa cela de prisão em 2006, sem ouvir o veredicto sobre sua responsabilidade na guerra civil que matou 200 mil pessoas.

PUBLICIDADE

Por Lúcia Guimarães
Atualização:

Em 1998, os tais estudantes fizeram um teste. Colaram uma foto de Milosevic no barril e colocaram no chão, ao lado, um bastão de beisebol. Foram assistir à cena de um café. Logo, dezenas de passantes começaram a fazer fila, cada um esperando sua vez para dar pauladas no barril. Quando a polícia chegou e notou que não podia prender todos os pedestres, identificou seu meliante inanimado. A foto da prisão do barril trouxe justificado ridículo à polícia e provocou bem-vindas gargalhadas durante meses. O caso foi lembrado por dois dos responsáveis pelo trote num artigo na revista Foreign Policy.

PUBLICIDADE

Imagine se colocassem pôsteres de vários políticos brasileiros na Praça da Sé, em São Paulo, ou em qualquer espaço público concorrido de uma grande cidade e deixassem na calçada cestas de tomates e ovos. Quantos os transformariam em projéteis, mesmo com a depressão econômica e 282 brasileiros perdendo emprego a cada hora?

O último episódio do programa de humor Saturday Night Live, da rede NBC, abriu com a comediante Kate McKinnon, a Hillary oficial do elenco, num monólogo sobre a derrota na primária de Wisconsin. Kate-Hillary tenta, sem sucesso, minimizar sete derrotas seguidas. A comediante ridicularizou características que críticos da ex-Secretária de Estado destacam, como oportunismo, troca de opiniões, no tipo de sátira mordaz que faz a alegria de republicanos e eleitores de Bernie Sanders. Mas que faz também os eleitores de Hillary gargalharem e não pedirem um boicote ao Saturday Night Live. Podem contar com nova aparição da Hillary real no programa para se submeter a mais sátira ao vivo.

Já contei neste espaço que perguntei a Woody Allen, numa breve entrevista, se piada tinha limite. Ele respondeu, “Você deve ter o direito de fazer piada até sobre câncer.”

Faça uma pesquisa de vídeos de ditadores do último século e note que eles têm em comum uma seriedade bufona. Ditador não gosta de piada porque o humor é um aliado da subversão. Na véspera da visita a Cuba, em março, Barack Obama gravou uma participação no programa do comediante Panfilo, assistido semanalmente por dois terços dos cubanos. Panfilo fazia uma piada recorrente sobre telefonar para a Casa Branca e nunca ser atendido por Obama. No sketch, o próprio Obama atende o telefone, Panfilo gagueja, surpreso, e oferece sua própria cama para hospedar Barack e Michelle. O diálogo não tem graça nenhuma, é uma peça de propaganda.

Publicidade

Tenho perguntado se muitos brasileiros estão prontos para trocar o humor por propaganda. Li, incrédula, a notícia de que pediram boicote ao Porta dos Fundos, a melhor trupe de humor surgida no Brasil do PT. No vídeo Delação, um policial federal obtém uma delação premiada mas só se interessa por fatos que possam incriminar Lula, não quer saber de nada sobre tucanos. Foi o bastante para os militantes de poltrona começarem uma campanha, na prática, um esforço de censura via turba digital. Denunciaram conhecidas posições políticas de alguns dos comediantes e os acusaram de estar puxando saco do governo porque receberam um aporte milionário da Lei Rouanet.

Alguém já teve a oportunidade de chorar de rir com outro vídeo recente do Porta, Palavras, em que Bianca Byington faz a Dilma tentando discursar e fala uma besteira desconexa atrás da outra? Qual dos dois vídeos tem mais artilharia satírica para expor a nudez de um imperador? Não importa. Ao humor, cabe despir o poder. Qualquer poder. 

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.