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Coluna quinzenal do jornalista e escritor Sérgio Augusto sobre literatura

Opinião|Retalhos

Escrever é o de menos; anotar é que são elas.  A frase não é exatamente essa, mas valorizar a “arte” de fazer anotações era o que Walter Benjamin visava quando disse mais ou menos o que eu disse na frase anterior. 

Atualização:

Anoto tudo o que posso, pois não confio na minha cada vez mais traiçoeira memória. Se menos indisciplinado e impaciente, teria tantos caderninhos cheios de anotações quanto qualquer escriba de respeito. Até tenho alguns, mas papéis soltos com anotações as mais diversas, várias enigmadas pelo tempo e a má ortografia, são, hélàs, a norma. 

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Ontem topei com duas folhas, felizmente digitadas, implorando por um arquivamento nas nuvens, antes que as perca de vez numa gaveta ou pasta analógica qualquer. Mesmo digitadas, algumas das coisas anotadas não revelam clara serventia. Ora são frases, de autoria identificada, que na hora encheram meus olhos; ora abobrinhas biográficas, como se eu planejasse produzir um livro na linha do David Markson de Vanishing Point e This Is Not a Novel – retalhos de reflexões embrionárias, sem futuro palpável.

A quem podem interessar? O que pretendia fazer com elas? Várias abrem caminho para um ensaio ou artigo que nunca escrevi sobre a indecisão, a nostalgia, a coincidência, o charme, o ceticismo, a mentalidade fascista, o suicídio, a tirania. Ou então servem para, numa emergência, transformar uma coluna numa espécie de almanaque, como estou fazendo esta semana. Tirem delas bom proveito. * Questionado sobre qual foi a maior poeta lésbica depois de Safo, W.H. Auden respondeu: “Rilke”. Descartes e Pascal encontraram-se duas vezes na vida. Não ficaram impressionados. Rousseau acreditava em vampiros. T.S. Eliot tinha medo de vaca. Os amigos o chamavam de Eddie Poe.  Karlheinz Stockhausen considerava a derrubada do World Trade Center “a maior obra de arte de todos os tempos”. Se Beckett escreveu Esperando Godot em francês, Godot não pode ser uma corruptela de God porque Deus em francês é Dieu. O que Hamlet estaria lendo na cena 2 do segundo ato, quando Polônio pergunta justamente isso, e o príncipe dinamarquês responde: “Palavras. Palavras. Palavras”. Palavras de quem?  O pé aleijado de Byron era o esquerdo ou o direito?

A premiada poeta Anne Sexton abusou sexualmente da filha mais velha, Linda Gray. Tinha o hábito de escrever ao som das Bachianas de Villa-Lobos. Matou-se em 1974, aos 45 anos. Platão deixou sete versões diferentes da primeira frase de A República. A que eu li e tenho é esta: “Sócrates – Fui ontem ao Pireu com Glauco, filho de Ariston, para orar à deusa, e também para me certificar de como seria a festividade, que eles promoviam pela primeira vez”. Karl Kraus se perguntou: “Como é que o mundo é governado e as guerras começam?”. E respondeu: “Diplomatas mentem para os jornalistas e depois acreditam no que leram”.

“Charme é um jeito de fazer as pessoas dizerem sim, sem você ter pedido nada”, definiu Camus, que do assunto entendia um bocado. “Do ponto de vista da morte, a vida é a lenta produção de um cadáver” (Walter Benjamin). O “lenta” foi por minha conta. “Minha terra tem palmeiras, onde canta o sabiá, mas meu rabicho é Paris, onde sabiá não dá.” (Paulo Mendes Campos) “Quando aumenta a confusão, diminui a gramática.” (Oswald de Andrade) “A posteridade é uma treva permanente onde não ressoa um assobio.” (Gore Vidal) “Para cada problema humano existe uma solução que é simples, clara... e equivocada.” (H. L. Mencken) “Somos a triste opacidade de nossos futuros espectros.” (Otto Lara Resende)

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“Gosto de ler. Televisão é outra coisa: é para aquelas pessoas que só nadam na superfície da vida.” (Joyce Carol Oates) “Minha maior emoção na vida foi em criança, a primeira vez que minha mãe me deu Emoção de Scott.” (Millôr) “Conceitos reacionários mais emoção revolucionária resultam em mentalidade fascista.” (Wilhelm Reich) Atualíssima, acrescento. “O empresariado é a zona erógena do corpo político.” (Ivan Lessa). Idem. “A sombra do branco é igual à do preto.” (Barão de Itararé) “Penso, logo Descartes existe.” (Saul Steinberg) O cadáver de Laurence Sterne foi vendido a uma escola de medicina por ladrões de sepulturas. Já estava quase completamente dissecado quando alguém o reconheceu. Nietzsche tocava piano sem cessar nos seus 11 anos de loucura. Uma vez até com os cotovelos. Uma tiete de Joyce o encontra em Paris e pergunta: “Posso beijar as mãos que escreveram Ulisses?”. “Não”, reage Joyce, “essas mãos também fizeram muitas outras coisas.” Napoleão, Marx, Wordsworth e Tennessee Williams sofriam de hemorroida. Que era a palavra favorita de Baudelaire. Jackson Pollock trabalhou algum tempo limpando titica de pássaros das estátuas de Nova York. Terá vindo dali a inspiração para os seus respingos de tinta? O que Rafael, Caravaggio, Watteau, Van Gogh e Toulouse-Lautrec tinham em comum além de pintar? Morreram todos com 37 anos. Paul Valéry a Gide: “Você conhece algo mais tedioso que a Ilíada?”. As mães de Eliot e William Burroughs frequentaram a mesma aula de dança quando crianças, em St. Louis (Missouri), sempre passando defronte à fábrica de móveis Prufrock-Litton. Brecht, com medo de ser enterrado vivo, deixou ordem expressa de que lhe perfurassem o coração tão logo fosse declarado clinicamente morto. Um médico assistente fez-lhe esse favor.  Catulo criticou César num poema e foi convidado para jantar em palácio. Osip Mandelstam criticou Stalin num poema e morreu no gulag. Tirante música, Ludwig Wittgenstein não tinha a menor sensibilidade para as artes. E suas atrizes de cinema favoritas eram Carmen Miranda e Betty Hutton.  Trotsky transou com Frida Kahlo. Em compensação, Diego Rivera transou com Paulette Goddard. Maurice Ravel recusou a Légion d’Honneur por achar que nenhum governo tem o direito de julgar um artista.

Opinião por Sérgio Augusto
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