Resistir, sem perder o ânimo e a ternura

Editor sírio que desertou na última Feira de Abu Dabi segue fazendo bons livros infantis e sonhando com a volta para casa

PUBLICIDADE

Foto do author Maria Fernanda Rodrigues
Por Maria Fernanda Rodrigues e ABU DABI
Atualização:

No cartão de visitas de Samer Al Kadri, apenas um e-mail e a indicação da página da Bright Fingers no Facebook. Há um ano, sua editora tinha um endereço e ele, uma casa. Não faz ideia se ainda estão de pé. Morador de Damasco, deixou a Síria no ano passado para participar da Feira do Livro de Abu Dabi. Trouxe uma mala a mais, a mulher e os filhos. Era certo que não voltariam para casa, para a insegurança de um país em conflito. Daqui, voou para a Jordânia.Apesar de o regime ter investigado sua vida - e até a vida da filha de 10 anos -, o risco que corria era o mesmo de qualquer cidadão que se opunha ao ditador Assad, e não porque era dono de uma editora de obras infantis. Ao desertar, deixou para trás todos os livros num estoque perto de Damasco. "Meses depois, a área estava destruída e a pessoa responsável foi ver se eles estavam ok. Os soldados o levaram e nunca mais ouvimos falar nele."Samer é pintor formado em Artes Plásticas, já teve uma agência de publicidade e ajudou a criar o primeiro canal de televisão para crianças do mundo árabe. Foi aí que decidiu fundar a editora. Publicou 130 títulos em oito anos, mas carrega consigo apenas 25 - o que tinha quando veio a Abu Dabi no ano passado. E os exemplares estão acabando.Na Jordânia, trabalhou em outros quatro volumes a serem lançados ainda este ano. Um deles mostra que o tempo da infância é para brincar, e não para trabalhar nas ruas. Outro é sobre aprender a dizer não. Todos seguem a linha da editora, de livros caprichados e sensíveis. Aliás, Samer faz os livros mais bonitos da feira. Entre os títulos em catálogo, um romance juvenil sobre um ditador e que mostra que ninguém tem o direito de mandar o outro se calar e um infantil traduzido como Engolir a Tristeza, que trata da descoberta do amor. "Nossos livros falam de sentimentos. É isso o que nos interessa, e não a história em si", conta. "No mundo árabe as pessoas querem educar seus filhos e gastam muito dinheiro com isso. Mas não têm interesse nenhum em que leiam, adquiram conhecimento", completa o editor, que só quer ir para casa. "Quando disserem que já posso voltar, em duas horas estarei pronto. Amo meu país, mas é um tempo terrível."

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.