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Peça em Pernambuco comemora Nélson Rodrigues

A Mulher sem Pecado foi a primeira peça escrita pelo dramaturgo há 60 anos. Para comemorar o fato, o ator José de Abreu lidera o elenco que estréia dia 22, na terra natal do autor

Por Agencia Estado
Atualização:

Nélson Rodrigues escreveu sua primeira peça teatral, A Mulher sem Pecado, em 1940. O ator José de Abreu decidiu não deixar a data passar em branco - 60 anos do surgimento da dramaturgia rodriguiana. Sob direção de Luiz Arthur Nunes, ele lidera o elenco integrado por oito atores entre eles Wanda Lacerda, Luciana Braga e Rocco Pitanga, na encenação da peça, que tem como personagem central um homem obcecado pelo ciúme. A Mulher sem Pecado estréia no dia 22, reinaugurando o Teatro do Parque, em Pernambuco, terra natal do autor. Do Nordeste, o espetáculo faz uma espécie de circuito off no Rio, com apresentações em algumas cidades do interior do Estado, antes de iniciar temporada em novembro no Teatro Nélson Rodrigues. "São 60 anos da criação do primeiro texto teatral de um dos maiores dramaturgos brasileiros, algo que não poderia ficar esquecido", afirma José de Abreu, também produtor do espetáculo. "Além disso, nunca houve uma grande montagem dessa peça, que é fantástica." O jogador Ronaldinho está entre os patrocinadores do evento Nélson Rodrigues - 60 Anos de Teatro, que não se limita à montagem de A Mulher sem Pecado. Durante a temporada, o público terá acesso, gratuitamente, a uma vasta programação em torno da obra de Nélson Rodrigues no Conjunto Cultural da Caixa Econômica, empresa patrocinadora do evento em parceria com os governos estaduais de Pernambuco e do Rio, com os Correios, Eletrobras, além do jogador da Inter de Milão e da seleção brasileira. Na programação do evento serão exibidos sete filmes, cujos roteiros foram baseados em obras do dramaturgo. "Como parte dos ensaios, o elenco leu todas as outras 16 peças do Nélson, muitas de suas crônicas, textos teóricos e viu os filmes baseados em suas obras", conta Abreu. "Resolvemos estender essa experiência ao nosso público." O evento prevê ainda um ciclo de leituras dramatizadas das peças do autor envolvendo 160 atores e 16 diretores. O elenco de A Mulher sem Pecado também vai realizar em ruas e praças do Rio dez leituras performáticas das crônicas de A Vida como Ela É, série publicada pelo dramaturgo na imprensa carioca. E mais: o público poderá acompanhar um ciclo de palestras, com nove convidados, três acadêmicos, três psiquiatras e três diretores teatrais. Entre os palestrantes estão o crítico Sábato Magaldi; o diretor norte-americano Terry O´Rilley, do Mabou Mines Group; o francês Allain Olivier e a argentina Suzy Yasan. "Os três já dirigiram peças de Nélson em seus países", afirma Abreu. Mas a principal atração será mesmo a encenação de A Mulher sem Pecado. "É um texto de grande qualidade", diz Abreu. "É preciso não esquecer que sua segunda peça, Vestido de Noiva, é considerada uma obra-prima da literatura dramática ou seja, quando começou a escrever para teatro Nélson era já um autor pronto." Abreu interpreta Olegário, o protagonista, um paralítico que torna a vida de sua mulher, a sua e a de todos os que o cercam um verdadeiro inferno. Prisioneiro de um ciúme doentio, ele oprime o motorista Umberto (Pitanga), a criada Inézia (Isabel Thermudo) e Joel (Camilo Bevilacqua), funcionário de sua firma, obrigando todos a seguir os passos de sua mulher, Lídia (Luciana), bem mais jovem que ele. Sem conseguir se controlar, desconfia de todos, até mesmo do irmão mais moço de Lídia (Luiz Fernando Alves Pinto). Paranóia - Durante todo o tempo, Olegário arma vários artifícios para testar a fidelidade da esposa. "Como todo sujeito fora de si, ele quer certezas, quer verdades", comenta Abreu. "Olegário quer mais que fidelidade, ele quer a pureza absoluta, quer uma mulher que transcenda ao próprio desejo", ressalta o diretor. "Nélson sempre trabalha com a transcendência", completa Nunes. Quando finalmente consegue obter a certeza desejada, é tarde demais. Numa reviravolta típica do melodrama rodriguiano, ocorre um desfecho surpreendente. Na presença da reportagem, depois de uma exaustiva tarde de ensaios, na Casa de Espanha, no Rio, o elenco debateu o texto. "Olegário não é um louco, ele é alguém exatamente como qualquer um de nós", argumenta Luciana. "Todos nós somos Olegários em potencial", diz Abreu. "Temos ciúmes como ele, às vezes até mesmo do passado de nossos companheiros, mas Olegário permite que esse sentimento tome conta de sua vida, essa é a diferença", comenta Luciana. "Uma diferença que conduz à tragédia", completa a atriz. "Um louco não pergunta a si mesmo se é louco", reflete a consciência de Olegário num dado momento. "Ele tem uma mãe louca e a consciência de que pode acabar como ela", diz Abreu. "Esse aniquilamento em vida, algo que faz a si próprio, é o destino inexorável do herói trágico." Entusiasmado, Abreu não poupou esforços na produção do espetáculo. Foi o responsávelo pelo convite a Nunes, diretor que defendeu tese sobre a dramaturgia e Nélson em seu doutoramento em teatro pela City University of New York, além de ter realizado montagens rodriguianas bem-sucedidas, entre elas A Vida como Ela É e Correio Sentimental de Nélson Rodrigues. O espetáculo contará com uma ficha técnica de peso: cenários de Hélio Eichbauer, iluminação de Maneco Quinderé, música de David Tygell e figurinos de Beth Filipeck.

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