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O Corolário do Umbigo

Por Vanessa Bárbara
Atualização:

Rumo à total reescrita da música popular brasileira, decidimos dar curso à experimentação semântica que se iniciou na semana passada com o estudo do avô no cancioneiro nacional e seguiu, incólume, na exploração de outras e mais revolucionárias possibilidades. Maravilhado, um leitor escreveu para agradecer pela lição de vida e para informar suas mais recentes descobertas, entre as quais: “Solto a vó nas estradas/ Deixo a velha pra lá” (Milton Nascimento).  Ora, todos os que já se debruçaram sobre o tema sabem que o método-avô leva automaticamente ao Corolário do Umbigo, que prevê a troca de “amigo” por “umbigo”, sem qualquer prejuízo estético. Vejam: “Umbigo é coisa pra se guardar/ Debaixo de sete chaves” (Milton Nascimento). Este exemplo, embora destituído de sentido, mostra um carinho singular pela referida depressão cutânea.  Há outros mais complexos, que o leitor haverá de encontrar: “Ter um umbigo/ Na vida é tão bom ter umbigos/ A gente precisa de umbigos no peito/ Umbigos no pé” (Balão Mágico). Ou mesmo: “Umbigos para sempre é o que nós iremos ter” (Agnaldo Rayol) e “Eu quero ter um milhão de umbigos/ E bem mais forte poder cantar” (Roberto Carlos). Elementos não faltam para corroborar nossa teoria, recentemente chamada por Zé Miguel Wisnik de “revolucionária”, “adiposa” e “comprometida com os grandes temas”.  Em uma fase subsequente deste estudo, ainda em busca de financiamento, decidimos trocar “samba” por “panda”, com resultados até que ecológicos, como em “Quem não gosta de panda bom sujeito não é” (Dorival Caymmi) e “Não deixe o panda morrer/ Não deixe o panda acabar” (Alcione). A matéria é polêmica, sobretudo quando dedos são apontados: “Agora eu sei/ Que toda vez que o avô existe/ Há sempre um panda triste” (Baden Powell). Por fim, há que se trocar “caminho” por “cominho”. Um exemplo: “É pau, é pedra/ É o fim do cominho” (Tom Jobim). Com a substituição, mesmo o pop nacional ganha significados poéticos jamais suspeitados: “Meu cominho é cada manhã/ Não procure saber onde estou/ Meu destino não é de ninguém/ E eu não deixo meus passos no chão” (Capital Inicial). A poesia moderna também não fica de fora, demonstrando apreço precoce pelo Código de Defesa do Consumidor: “Tinha uma pedra no meio do cominho/ No meio do cominho tinha uma pedra” (Drummond). Por fim, na voz do Rei Roberto, descobre-se o hino definitivo desse condimento oleaginoso: “Um dia o ar se encheu de amor/ E em todo o seu esplendor as vozes cantaram/ Seu canto ecoou pelos campos/ Subiu as montanhas e chegou ao universo/ E uma estrela brilhou mostrando o cominho” (Roberto Carlos). Em tempos como estes, em que pouca coisa faz sentido, talvez a saída seja apelar para o lirismo botânico: “Você me pergunta/ Aonde eu quero chegar/ Se há tantos cominhos na vida/ E pouca esperança no ar” (Raul Seixas).

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