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Coluna quinzenal do escritor Ignácio de Loyola Brandão com crônicas e memórias

Opinião|O Brasil espera o menino na bicicleta

Por que o senhor não escreve coisas poéticas, soltas, gostosas? As crônicas, antigamente, nos deixavam mais leves, de bem com a vida e o mundo. Agora, tudo o que a gente lê nos leva para baixo. Está difícil de suportar. Escrevo na manhã de um domingo. Sete horas. Aquele sol que nos tem castigado, começava a dar sinais de ardência profunda. Olhei pela porta de vidro do terraço e descobri, maravilhado e feliz, que a pitangueira plantada em vaso, que chegou há dois anos, estava repleta de frutos vermelhos, reluzentes, envernizados. Os primeiros. Fiquei admirado. Os pássaros não tinham descoberto? Aquelas frutinhas tinham se salvado? Chupei uma, duas três, queria todas, mas precisava guardar para a família, afinal, eram as primeiras. Pitanga, coisa de infância, do interior. Uma das frutas mais sofisticadas do Brasil, a meu ver. Antigamente, quando viajávamos pela Varig, ao sair do Recife, recebíamos um copo de suco fresco de pitanga, perfumado. Dia desses, Maria Eduarda, amiga pernambucana, me disse: “Você está chegando aqui, sabemos que gosta de vinhos. Que vinho prefere?”. E eu: “Nenhum! Quero suco de pitanga”. Maria Eduarda: “Pois vai tomar das pitangas do pomar de meu pai, Cornélio”. Foi uma celebração! 

Atualização:

Esta é a pitada de poesia que encontrei neste momento. Mas ficaram em minha mente essas perguntas cotidianas que todos estão fazendo. Ouço no dia a dia, pela manhã ao comprar o pão e o leite, no supermercado, no bar, numa escola, na livraria, ao entrar no cinema. Ouvi agora, ao percorrer cinco cidades do litoral, Cananeia, Ilha Comprida, Registro, Sete Barras e Itanhaém, na Viagem Literária, na qual 80 escritores, por alguns meses, percorrem, cada um, cinco cidades de todo o Estado. Ou seja, 400 cidades conversam com autores, um bem-sucedido projeto que já tem anos de sucesso. Jovens e mais velhos, acreditando que o escritor tem as respostas, me olhavam: “O senhor acha que a gente sai dessa?”. Só consegui dizer: “Não sei e acho que ninguém sabe”.

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Não vejam nisso desesperança (palavra complicada, gera a paralisia) e, sim, perplexidade. A resposta pode vir quando menos se espera. Lembrei-me de uma viagem, há dez anos, entre Porto Alegre e Passo Fundo, em quatro ônibus que levavam os participantes da Jornada de Literatura Brasileira, uma das mais fantásticas proezas na formação de leitores, cancelada recentemente por ciumeira de uma reitoria inclemente. Manhãzinha, os ônibus partiram e a certa atura, em uma serra deserta, um dos veículos teve de parar. Uma pedra penetrara entre dois pneus paralelos traseiros e ameaçava rasgá-los. Pararam todos os ônibus, os quatro motoristas tentaram extrair a pedra. Nada. Desceram os passageiros. Professores de letras, gramáticos, ensaístas, ficcionistas, poetas, sociólogos, antropólogos, críticos, historiadores (a turma que ia à Jornada era diversa e competente), membros da Academia Brasileira de Letras, ficaram a contemplar as tentativas fracassadas. Quando se pensava em ligar para Porto Alegre e pedir um ônibus reserva, surgiu da neblina um garoto numa bicicleta. Parou, soube do problema e arriscou:

- Por que não esvaziam um dos pneus, soltam a pedra e seguem? Perto daqui tem um posto, consertam e vão embora.

Assim foi feito. Motoristas se cotizaram para uma gorjeta ao menino que recusou:

Para quê? Não fiz nada. Só dei uma ideia.

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Ele se foi. Entramos nos ônibus e partimos. Mais tarde, em uma das sessões, o chileno Antonio Skármeta, de O Carteiro e o Poeta, fez um poema sobre o incidente e leu em público. Todos riram com a metáfora. Naquele bando de intelectuais que resolvem questões complexas sobre literatura, vida, filosofia, sociedade, Brasil, mundo, nenhum sabia tirar uma pedra do meio de um pneu. Os mais antigos vão se lembrar da história que li ainda no Tesouro da Juventude, de um menino que enfiou o dedo no buraquinho de um dique na Holanda, evitando que a água por ali penetrando ocasionasse um rombo, provocando uma inundação catastrófica.

Será que o menino na bicicleta vai passar e dar uma ideia para o Brasil voltar a andar?

Opinião por Ignácio de Loyola Brandão
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