Morre o ator e dramaturgo Gianfrancesco Guarnieri

Internado no Hospital Sírio-Libanês desde o dia 2 de junho com insuficiência renal, ele estava sedado desde quinta-feira

PUBLICIDADE

Por Agencia Estado
Atualização:

Morreu na tarde deste sábado, 22, o ator e dramaturgo Gianfrancesco Guarnieri, de 71 anos, em São Paulo. Internado no Hospital Sírio-Libanês desde o dia 2 de junho com insuficiência renal, ele estava sedado desde quinta-feira. O corpo do ator começou a ser velado neste sábado no próprio hospital. O enterro está marcado para as 15 horas de domingo, 23, no Cemitério Jardim da Serra, em Mairiporã, na Grande São Paulo, numa cerimônia restrita a amigos e parentes. Em 1958, aos 24 anos, Guarnieri mudou os rumos da dramaturgia brasileira com a obra Eles não Usam Black-Tie, que explorava as relações trabalhistas a partir de uma greve de operários. Mas, como ator, foram outras dezenas de criações inesquecíveis no teatro, cinema e televisão. E ainda escreveu mais de 20 peças, sem contar episódios para casos especiais ou seriados. Mas foram outras dezenas de criações inesquecíveis no teatro, cinema e televisão. Seu último papel foi na novela Belíssima, como Pepe. A participação teve de ser interrompida por causa da doença. Guarnieri escreveu também mais de 20 peças, sem contar episódios para casos especiais ou seriados. Recebeu quatro prêmios Moliêre Filho de um maestro e de uma harpista, tinha ouvido musical e foi parceiro de grandes compositores, criando canções para musicais como Marta Saré, com Edu Lobo - músicas como Upa, Neguinho - ou Castro Alves Pede Passagem, com Toquinho. Filho de imigrantes italianos, nasceu em Milão na Itália Guarnieri nasceu em Milão, Itália, no dia 6 de agosto de 1934, filho dos músicos Edoardo e Elsa de Guarnieri. Em 1937 seus pais migraram para o Brasil e foram morar no Rio, onde ele morou até 1953, quando mudou-se para São Paulo. Em inúmeras entrevistas, creditou à empregada Margarida, que cuidou dele na infância e adolescência, o ?aprendizado? da cultura popular, da vida nas ruas, no morro, nas favelas cariocas. ?A mãe de Margarida morava no morro, era analfabeta, mas também uma mulher de grande sabedoria. Foi nela que eu me inspirei para criar Romana.? Matriarca de Eles não Usam Black-Tie, Romana foi interpretada por Lélia Abramo na primeira montagem teatral, por Fernanda Montenegro no cinema e por Ana Lúcia Torre em 2001, em uma das recentes montagens da peça. Foi também no morro próximo a sua casa, em Laranjeiras, que conheceu Gimba, uma espécie de guarda-costas de bicheiro, que mais tarde inspiraria o malandro e anti-herói que seria o personagem central da peça Gimba. Ainda garoto, Guarnieri debatia-se entre duas vocações - a militância ou a poesia. ?Desde cedo sentia-me dividido entre a ação política concreta e o caminho mais contemplativo, da ação cultural e artística?, afirmou em recente entrevista ao Estado, em sua casa, em Mairiporã. De certa forma, ele uniu as duas vocações ao estrear, no palco do Arena, com Eles não Usam Black-Tie, inaugurando no teatro um novo caminho de investigação da realidade brasileira. Coloca operários em cena pela primeira vez A obra fez com que a greve de operários subisse à cena pela primeira vez no País e lhe valeu, entre outros, o Prêmio Governador do Estado de revelação de autor e o Prêmio APCA de ator. O sucesso se repetiria 22 anos mais tarde, com a adaptação cinematográfica dirigida por Leon Hirszman. O filme recebeu seis prêmios nacionais e dez internacionais, entre eles o Leão de Ouro para Leon e Guarnieri. Se na primeira montagem teatral ele interpretou o filho fura-greve Tião, que trai os interesses coletivos em busca da solução individual, no filme ele assumiu o papel de Otávio, o pai, operário e líder sindical com um vasto currículo de lutas e prisões. Sua primeira lição como escritor veio ao 13 anos, ainda no Rio, quando começou a escrever para o jornal da Juventude Comunista. ?Eu achava que escrever para jornal era escrever difícil. Ao ler meu primeiro texto, o editor rasgou a matéria e quase me agrediu fisicamente.? Expulso do colégio com primeira peça Mas justamente por ter aprendido como escrever com clareza e concisão, aprenderia outra lição importante na sua primeira ?tentativa? de escrever uma peça teatral, no colégio de padres Santo Antônio Maria Zacharias, no Rio. A peça chamava-se Sombras do Passado e tinha como ?alvo? um vice-reitor prepotente. ?Era horrível?, reavaliaria ele depois de tornar-se autor consagrado. Mas o padre que tomava conta do teatro gostou, e a peça foi montada. O ?problema? foi que Guarnieri interpretou o personagem principal e, embora a peça tratasse de um tema que nada tinha a ver com o colégio, ele representou tão bem que os alunos reconheceram no prepotente protagonista de uma casa o odiado ?vice-reitor? e começaram a gritar seu nome durante o espetáculo. A peça foi muita aplaudida e Guarnieri foi expulso do colégio. O duplo talento que explodiu nessa primeira experiência - para retratar uma realidade observada, ou vivida, e para interpretar os personagens dessa realidade - jamais o abandonaria. O episódio escolar seria lembrado mais tarde, em 1961, quando A Semente foi proibida pela censura na véspera de sua estréia no Teatro Brasileiro de Comédia (TBC). O golpe militar ainda não tinha estourado e ele já tinha problemas com o poder. ?O texto constitui claro e audacioso incitamento à subversão da ordem pública, objetivando solapar as suas bases e a estrutura do regime democrático vigente no País?, dizia o parecer do censor. Curiosamente, nesse texto, ele criticava a rigidez do Partido Comunista e a excessiva determinação de líderes da esquerda que atingia a indiferença com o ?lado humano? das causas políticas. O forte movimento dos intelectuais e da imprensa acabaram anulando a interdição, e a peça estreou com Cleyde Yáconis, Nathalia Timberg, Leonardo Villar e Guarnieri no elenco. Destaque no Teatro de Arena nos anos 50 Assim que chegou a São Paulo, Guarnieri decidiu investir no talento que causou sua expulsão no colégio. Em 1955, ajudou a fundar o Teatro Paulista do Estudante e ganhou seu primeiro prêmio de ator como protagonista da peça Está lá Fora um Inspetor, de Priestley. Um ano depois, em 1956, entrou para o Arena, onde também ganhou um dos mais cobiçados prêmios da época, o APCA de revelação de ator no papel de George na peça Ratos e Homens, de Steinbeck, dirigida por Augusto Boal. Na mesma época foi chamado pelo diretor Roberto Santos para fazer sua primeira atuação em cinema, no filme O Grande Momento. Depois do estrondoso sucesso de Black-Tie, nunca mais parou. Gimba, A Semente, Ponto de Partida, O Filho do Cão, Marta Saré, Castro Alves Pede Passagem, Arena Conta Zumbi e Arena Conta Tiradentes - essas duas últimas escritas em parceria com Boal - Um Grito Parado no Ar. Foram muitas as peças, em que ele também integrava o elenco, sempre em boas atuações. E não só no teatro. Guarnieri integra aquela geração de atores que ajudou a televisão a dar os seus primeiros passos, seja no Grande Teatro Tupi ou nas primeiras novelas. Papéis memoráveis na televisão Quem viu, jamais esquecerá sua criação do personagem Tonho da Lua, o maluquinho da novela Mulheres de Areia, mais tarde regravada na Rede Globo, com Marcos Frota vivendo o mesmo papel. Igualmente inesquecível o Jejê, apelido de Jerônimo Machado, o trambiqueiro da novela Cambalacho, na qual contracenava, mais uma vez, com a amiga Fernanda Montenegro. Os muito jovens devem se lembrar de sua participação especial na novela Terra Nostra, como o ?pai italiano? da Giuliana vivida por Ana Paulo Arósio. Guarnieri casou-se pela primeira vez em 1958, com Cecilia Thompson, com quem teve dois filhos, Flávio e Paulo Guarnieri, ambos atores. Com sua companheira dos últimos 35 anos, Vânia Santana, teve mais três filhos - Cacau e Mariana Guarnieri, que também seguiriam a carreira teatral - e Fernando. Atualizada às 23 horas, com informações sobre o sepultamento

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.