Mentes dos arquitetos

Livros dissecam pensamento e obra de Álvaro Siza e Paulo Mendes da Rocha

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Por Jotabê Medeiros
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Operar milagres, em arquitetura, é perfeitamente plausível. O Museu Iberê Camargo (RS), do arquiteto português Álvaro Siza, por exemplo, é considerado uma espécie de milagre de resolução formal. A lição do mínimo no Museu Brasileiro de Escultura (SP), de Paulo Mendes da Rocha, é outro tipo de milagre.E de onde vêm os milagres? Bom, há muitas respostas, mas essa tarefa fica mais cristalina quando se nos é oferecida a oportunidade de entrar na mente de dois expoentes desse ofício, nessa coleção da Estação Liberdade. O depoimento de Siza no livrinho Imaginar a Evidência (gravado em três longas sessões em seu estúdio na cidade do Porto) ajuda a desmistificar sua lenda. Siza fala de seus projetos com detalhes, pontuando sua fala com algumas de suas motivações, como a tentativa de recuperar "aquela sabedoria instintiva, hoje perdida, que sempre regulamentou o estudo das dimensões, das proporções e das relações dos espaços".O brasileiro Paulo Mendes da Rocha também ajuda a elucidar seu próprio trabalho, no alentado volume América, Cidade e Natureza, compilação de depoimentos, entrevistas e aulas (incluindo a de 50 anos da FAU-USP e a prova de postulação a professor titular na mesma universidade). "Claro que há arte (em meu trabalho), mas acontece que para mim arte sempre foi ciência e filosofia, se você quiser dizer assim, para compreender fácil com palavras o universo amplo que você quer dizer das coisas." Sua meta parece ter sempre sido, ao longo dos anos, elaborar um discurso crítico sobre a arquitetura, a cidade e a humanidade - conforme salienta o filósofo espanhol Eduardo Subirats. Os depoimentos de Mendes da Rocha compreendem um período de 12 anos, de 1995 a 2007. Foram concedidos a Maria Isabel Villac, professora do Mackenzie e doutora em Teoria e História da Arquitetura pela Universitat Politecnica de Catalunya."Não concebo a imaginação como origem da invenção, como morada da invenção absoluta. Não a idealizo de forma alguma. Se observarmos atentamente os grandes intérpretes da arquitetura, como Le Corbusier, com seu manifesto do 'tudo novo', o que vemos? Por mais brilhantes, convincentes, fundamentais e manifestamente insólitas que pudessem ser suas inovações, elas são no fundo uma concentração, uma condensação de descobertas anteriores", disse Álvaro Siza, um dos mestres da arquitetura de nosso tempo.Siza rejeita a predestinação e é claro em seu recado: seus projetos mais elogiados são fruto da "consciência da imprescindibilidade da colaboração e da interdisciplinaridade". Ele reconhece todas as múltiplas influências em obras como o museu no Parque Oeste, em Madri, mas também denuncia que busca uma "arquitetura sem tempo", uma obra que revele "uma malha muito sutil e complexa, não uma única obsessão limitativa".Já Paulo Mendes da Rocha se debruça sobre as diferenças e as similaridades da arquitetura do seu mundo e do resto do mundo. "As construções brasileiras não foram feitas para defender ninguém de nada. Você entra por uma porta e sai por outra. Eu acho que isso é um reflexo belíssimo de uma condição distraída e legítima. Queria que o mundo todo pudesse ser assim quanto a uma invasão, a uma agressão que possa vir do outro. É uma ideia de um espaço que se organiza só para dizer: aqui é o lugar. Quando quiser entrar, entre aqui. Mas não está protegendo nada de nada. Não tem nada a ver com a paliçada, a muralha, o fosso, que afinal de contas são arquétipos da arquitetura de outros lugares.""O que desenha a imprevisibilidade da vida é justamente a construção que é necessariamente nítida e rigorosamente técnica; não pretende determinar fim, modo, meio e programa, mas amparar a indeterminação, a imponderabilidade da liberdade individual", diz o brasileiro.Os dois títulos serão lançados hoje, às 19 horas, na Livraria Cultura do Shopping Villa-Lobos (Avenida das Nações Unidas, 4.777, Alto de Pinheiros, tel. 3024-3599), com debate entre Paulo Mendes da Rocha e Carlos Guilherme Mota - e mediação de Maria Isabel Villac.

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