O depoimento segue nesse tom um tanto amigável e gratuito, como um interrogatório de filme no qual se prepara o terreno para extrair confissões. Ler a íntegra da transcrição, um documento de 109 páginas recentemente divulgado pela imprensa, é uma atividade surreal de lazer que foi executada por muita gente em busca de alívio para a insônia.
Muitos consideraram o depoimento de Lula uma excelente montagem de uma peça de Teatro do Absurdo, escrita por um autor situado entre Beckett e Stoppard. Em certos momentos, há apenas nonsense, como quando ele diz que o papel do Instituto Lula é “tentar mostrar para as pessoas que é possível pescar”, ou quando confessa ficar “chateado de ver um delegado de Polícia Federal se preocupar com pedalinho”. Diante de um questionamento obscuro, ele diz: “Não entendi a pergunta. Dormiu pouco essa noite?”. Em linhas gerais, o tédio domina. Uma das indagações feitas pelo delegado é: “Mas o que cansa mais, estar fora do País ou viajar para aquele país?”. A resposta: “Eu acho que o que cansa mais é o avião mesmo, é desgastante”.
Não estou aqui tecendo juízos de valor sobre o conteúdo, mas afirmando que a transcrição tem inegáveis qualidades literárias. Quem duvidar que recorra a esta cena, que menciona um ex-prefeito petista: “O senhor sabe se o José Fillipi costuma usar um serviço de táxi com o mesmo taxista?”, pergunta o delegado, de forma inesperada. Lula: “Serviço de quê?” Delegado: “Táxi, táxi...”. Declarante: “Eu não sei, querido”. Delegado: “Não sabe se ele anda de táxi?”. Lula: “Não sei”. Delegado: “Sabe se tem algum taxista que é amigo dele?”.
Ou este outro diálogo, travado entre o delegado e um advogado de defesa: Delegado: “Eu só posso fazer perguntas se eu tiver investigando a pessoa sobre quem eu estou perguntando?”. Defesa: “Então, eu acredito que sim”. Delegado: “Não”. Defesa: “Porque a partir do momento que o senhor está fazendo uma pergunta em relação ao advogado, o senhor está investigando o advogado”. Delegado: “Não”. Defesa: “Sim”. Delegado: “Não”. Defesa: “Está”. É quase um esquete do Monty Python.