Livro resgata história do jeans no País

Criador da Zoomp, Renato Kherlakian fala da trajetória da grife que transformou o denim em símbolo de status

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Por Maria Rita Alonso
Atualização:

O que se espera de uma roupa? Acima de tudo, que ela vista bem. Isso pode soar óbvio, mas não é uma regra. Peças feitas em série, naturalmente, caem melhor em uns do que em outros – e, às vezes, caem mal na maioria. No início da década de 1980, essa era uma questão primordial para as marcas de moda que começavam a surgir ambicionando vendas e fama em escala nacional. Em São Paulo, algumas delas realmente conseguiram virar grifes, produzindo objetos de desejo em forma de jeans. E de um jeans que, apesar de não ter nenhum tipo de lycra ou stretch, vestia bem pela modelagem estudada. Surgia ali o nosso jeanswear, que agora teve sua história resgatada no livro Uns Jeans... Uns Não.

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Publicado pela editora Senai, o livro narra a trajetória da marca Zoomp, que deu um grande passo para o aprimoramento do denim ao adotar uma numeração intermediária, que ia do 34 ao 39. Depois, absorveu os conceitos de publicidade de moda que surgiam nos Estados Unidos e na Europa para criar desejo e vender status.

A obra foi editada em forma de glossário, com verbetes escritos pelo jornalista Ronald Sclavi com depoimentos do empresário Renato Kherlakian, criador da marca. “Nossas peças tinham 82% de vestibilidade: a cada 100 mulheres, 82 estavam satisfeitas”, diz ele.

O lifestyle cosmopolita de São Paulo, que se firmava como grande metrópole, foi captado por Kherlakian. Ele vivia na região da Augusta, onde abriu seu primeiro escritório, e frequentava as boates e inferninhos da cidade. “No início dos anos 1970, a rua fervia com as pessoas de moda, os jovens, os hippies, os modernos”, lembra. “Minha convivência nessa época me fez entender o que a juventude urbana fazia, como se divertia e o que desejava vestir.”

Fotografias, relatos e personagens que marcaram os anos 1980 e 1990 na moda também estão no livro e retratam a irreverência, as aspirações e a rebeldia da época, em que a juventude ouvia rock e deixava a vibe hippie de lado para começar a ostentar logotipos. “Nós criávamos em grupo. Tive a oportunidade de atrair grandes profissionais de diferentes áreas ao longo dos anos”, lembra Kherlakian.

A Zoomp foi uma das marcas que ajudaram a revelar Gisele Bündchen, por exemplo. Teve campanhas assinadas por estrelas internacionais, como o fotógrafo peruano Mario Testino e a editora francesa Carine Roitfeld. O estilista Alexandre Herchcovitch atuou como diretor criativo da grife, enquanto o designer Rafic Farah cuidava do material gráfico da marca. A concorrência era acirrada: Forum, Ellus e M. Officer disputavam fortemente os louros de cada desfile e a conquista de cada franquia.

De origem armênia, Renato Kherlakian cresceu frequentando a loja de tecidos do pai, convivendo com alfaiates e clientes elegantes. Comprou seu primeiro jeans em um navio do porto de Santos. Era uma calça Lee, bruta, sem lavagem, que ficava larga na cintura e comprida nas pernas. O jeans surgiu na França, no século 18, e ficou conhecido como serje de Nîmes ou sarja de Nimes, em referência à cidade do sul do país onde era produzido. Com o tempo, a expressão “de Nimes” virou denim e a peça inicialmente utilitária passou a ser sinônimo de liberdade, transformando o jeito ocidental de se vestir.

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Kherlakian descobriu o potencial libertário do tecido nos anos 1970. Casado com a estilista Clô Orozco, ele se encantou pelos jeans folgados e carcomidos dos estudantes da Universidade Sorbonne, em Paris, e dos cinéfilos amantes da Nouvelle Vague. Suas calças eram abauladas, folgadas e presas por cintos. Kherlakian adaptou e abrasileirou o modelo lançando as calças baggy e semibaggy, com a cintura bem marcada, as pernas delineadas e a boca afunilada (lembra delas?). Vendeu mais de 14 milhões de peças em várias versões, sempre com a etiqueta do raio da Zoomp no bolso traseiro – o que agregava valor à peça, vendida pelo equivalente hoje a cerca de US$ 100.

Em tempo: a marca Zoomp acaba de ser renegociada e deve ser relançada em breve pelo empresário Alberto Hiar, sem a participação de Kherlakian.