EXCLUSIVO PARA ASSINANTES

Je suis Charlie

PUBLICIDADE

Por Fábio Porchat
Atualização:

Como todos os habitantes do planeta Terra (menos os norte-coreanos) devem ter visto essa semana, houve um ataque terrorista à sede da revista Charlie Hebdo em Paris. Fanáticos muçulmanos abriram fogo contra alguns cartunistas que desenharam, entre outras milhares de charges, algumas de Maomé. Pela religião islâmica, não se pode representar jamais a figura do profeta, logo, os terroristas resolveram vingá-lo. Algumas pessoas, nas redes sociais, me confrontaram com a seguinte frase: Com Jesus é fácil, queria ver o Porta dos Fundos fazer piada com o islamismo pra ver se vocês são fodões mesmo. Bom, primeiro, nós já fizemos alguns esquetes com islamismo. (MODA é um que eu, especialmente, gosto muito) Ou seja, a conversa poderia acabar aí. Segundo, o Brasil é o país com o maior número de cristãos no mundo, o que significa que todas as histórias da Bíblia são facilmente reconhecidas pela maioria absoluta da população. No humor, a regra básica é: só rimos daquilo que conhecemos. Me fale você um trecho do Alcorão. Agora, rápido, de cabeça. Viu? Nós nunca fizemos piada com a cientologia e nunca vi ninguém reclamando. Mas, pensando na provocação que me foi feita, percebi algumas coisas. Quando a pessoa diz uma coisa dessas, me parece estar dizendo: Por que você não bate em alguém do seu tamanho! Como se cristãos fossem café com leite. Eles não sabem se defender sozinhos. Os muçulmanos fanáticos, sim, esses sabem defender a honra da sua religião. Eles matam! Matar alguém nunca será solução pra nada. Isso não é defender Alá, Jesus ou o Deus Polinésio, matar é justamente ir contra todos eles. Juntos. Moramos em um país que respeita a liberdade de expressão (de um modo geral, digamos) e a forma de se defender no Ocidente, principalmente, não é matando pessoas e sim discutindo, trocando ideias e confrontando com o diálogo. A sensação que me dá é que muitas dessas pessoas se sentiram realizadas pelas mortes em Paris. Como se dissessem: quem mandou mexer com religião, bem feito. E quando me pedem para fazer piadas com Maomé, querem que os caras lá façam o trabalho sujo por eles. Já que eu não posso matar o Fábio, vamos arranjar alguém que esteja disposto a isso. Existem muitos brasileiros ultraconservadores escondidos entre nós. Pessoas que não acham nada mau fazer uma limpezinha étnica de vez em quando. Que nordestino deveria voltar pra Bahia, que veado tem que tudo morrer para não destruir a Instituição Família e que preto é tudo uma raçazinha safada. E muitas dessas pessoas querem ver um humorista morrer, para se sentirem vingados. Como se houvesse uma lição a ser aprendida pelos humoristas com a morte dos desenhistas. A lição é justamente ao contrário. A morte deles nos diz: sigam em frente! Não parem nunca, só porque alguns idiotas querem que vocês parem. Nós no Porta fazemos piadas com tudo e com todos. Com nós mesmos, inclusive. E não para ofender, polemizar, criar confusão e, sim, porque aquela piada nos pareceu muito engraçada. Ponto.

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.