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Jaguar conta com humor histórias de Ipanema

O chargista lança dois livros: Ipanema, para a coleção Cantos do Rio, da editora Relume-Dumará e Confesso Que Bebi, a sair ainda este mês, pela Record

Por Agencia Estado
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Numa daquelas reportagens engraçadinhas, de que a televisão é mestra, a repórter perguntou a Jaguar como se sentia ele tendo nascido num dia 29 de fevereiro. Resposta, de bate-pronto: "Muito bem. Como só faço aniversário de quatro em quatro anos, tenho, agora, 16. O que, aliás, corresponde à minha idade mental." E deu uma gargalhada. Foi há algum tempo. Jaguar vai fazer 69 anos. Nasceu em 1932 - e, como todo bom ipanemense, não nasceu em Ipanema, mas na Praça da Cruz Vermelha, no centro carioca, chamada, na época, Praça Vieira Souto. Vieira Souto, aliás, é nome de uma das ruas principais de Ipanema. Destino, ora pois. No bar onde conversou com o repórter, falava-se sobre a prisão do ex-juiz Nicolau dos Santos Neto. "Eu iria para a cela comum", Jaguar diz, logo. Não tem curso universitário. "Quem tem é o Ziraldo, que, antecipando o que poderia vir a acontecer, formou-se em advocacia", brinca. Durante boa parte da vida, Jaguar foi funcionário do Banco do Brasil. Fundou e dirigiu jornais humorísticos (do Pasquim a Bundas), desenhou sem parar, a vida inteira, apresentou programa de televisão (na TV Educativa do Rio), foi diretor de redação de um diário carioca (A Notícia), capitaneava, com Albino Pinheiro, Ferdy Carneiro e outros históricos boêmios a Banda de Ipanema - e virou memorialista. O único memorialista desmemoriado do mundo, diz, antes que alguém o diga. Está lançando dois livros: Ipanema, para a coleção Cantos do Rio, da editora Relume-Dumará (94 páginas, R$ 12,00), e Confesso Que Bebi, a sair ainda este mês, pela Record. O título deste último é plágio - é o autor quem diz - do Confesso Que Vivi, de Neruda. "Acho um absurdo publicar dois livros ao mesmo tempo; você sabe que Buenos Aires tem mais livrarias do que no Brasil inteiro?", pergunta. Confesso Que Bebi é uma seleção dos artigos que ele escreveu para o jornal O Dia, do Rio. Millôr Fernandes sugeriu que virasse livro. "É um guia dos bares em que eu bebi", explica o autor. "É dedicado a umas 380 pessoas que fui encontrando nesses bares", conta. A epígrafe é uma frase de Millôr: "Deve-se beber com moderação, independentemente da quantidade" - e, já que o assunto são frases alheias, Jaguar aproveita para fazer justiça histórica: "Atribui-se ao Jânio Quadros uma frase que é minha, aquela que diz que bebo por que é líquido; se fosse sólido, eu comia - ou comê-lo-ia?" Pára. Pula para a sintaxe janista: "Comê-lo-ia." Mais um pouquinho de Confesso Que Bebi: é dedicado às tais 380 pessoas (ou mais), apresentadas como "aqueles que ajudaram a tornar esse mundo menos chato" e, last but not least "a Jesus Cristo, que tranformou água em vinho". Sobre a passagem bíblica, Jaguar imagina a reação daqueles chamados eternos insatisfeitos - já que transformou água em vinho, por que não descolou uns queijinhos, também, coisinhas para beliscar? De bar em bar - O livro de memórias, muito pessoais memórias, Ipanema, já está nas lojas. Para lançar Confesso Que Bebi, Jaguar teve uma idéia digna dele: "Bolei um sistema que pode me ser fatal. Vou fazer lançamentos relâmpagos nos 30 ou 40 bares citados. Num dado momento, entra um cara vestido de escocês, tocando um sino, e eu vou para outro boteco." Mas são bares em diversas cidades. A festa não pode durar menos do que uma semana. Haja fígado. Jaguar quer também que sejam espalhadas as suas cinzas. "Decidi ser cremado, contra essa coisa medieval do velório, um massacre. Mas é difícil: você tem de ir à Santa Casa de Misericórdia, preencher formulário, arranjar três executores, registrar em cartório... em todo caso, vai faltar cinza. Vou providenciar, legalmente, que seja cremado comigo um pangaré, para inteirar e sobrar pra todos os bares. Pena que vou perder essa festa." Mas que ninguém se preocupe. Jaguar não está pensando em morrer - anda é muito feliz da vida. Está até conseguindo catalogar seus desenhos, os mais recentes. Porque a obra, iniciada em 46 anos, está espalhada pelas dezenas de publicações em que trabalhou. "Sou o único chargista brasileiro em atividade desde 1955, que nunca parou de desenhar", diz. "Outros foram fazer teatro literatura, televisão. Eu comecei e nunca parei. E, como jamais entrei nessa de carteira assinada, não posso tirar férias. Desde 1955, não tive um dia de férias." Faz as contas. Imagina que tenha publicado uns 30 mil desenhos - sem contar vinhetinhas, desenhos menores que ilustravam, por exemplo, as Dicas, do Pasquim - , dos quais tem guardados os originais de uns 50. Criou milhares de personagens e os abandonou a todos. "Não tenho saco para personagens, não tenho paciência para história em quadrinho - embora seja o que dá grana -, que detesto, acho uma burrice, gênero menor, porcaria pura." Mas ele chegou a fazer quadrinhos. Os Chopinics, por exemplo, cujas histórias saíam no Pasquim. Chopinic é uma combinação de beatnik com chope. A tira foi encomendada pela agência de publicidade que fazia campanha para determinada marca de cerveja. Os personagens da tira marcaram os anos 60 e 70. À frente da galeria de personagens estava Hugo Bidet e seu eterno companheiro, o rato Sigmund Freud, apud Sig. Feijoada - Hugo Bidet era Hugo Leão de Castro. Um dia, fez uma feijoada, em casa, mas não tinha panela para acomodar as carnes. Acomodou-as no bidê. Virou Hugo Bidet. Ele pronunciava o nome da cerveja e virava o Capitão Ipanema (Mistura do Fantasma Voador com sei-lá-o-que", diz Jaguar). E Hugo Bidê tinha, mesmo, um rato. "O ratinho freqüentava o bar Jangadeiros com a gente e bebia genebra. A turma era formada por mim, Hugo, Roniquito Chevalier, Albino Pinheiro, Paulo César Peréio, Ferdy Carneiro. O Jangadeiro fechava e a gente ia para a casa do Hugo que era do lado", conta. O nome do rato verdadeiro, do Hugo, era Ivan Lessa. "Era um rato branco, muito simpático. Quando íamos para a casa do Hugo, ele ficava andando na beira da janela, para lá e para cá, para lá e para cá. Um dia, de porre, caiu. Morreu que nem o Chet Baker." Ou melhor, não morreu: "Para nós ele não era um rato, era um amigo, um cara da turma. Nós corremos lá para baixo pegamos o rato, levamos para o Hospital Miguel Couto. Nenhum plantonista quis atender o Ivan Lessa." Saiu uma briga que resultou na morte, afinal, de Ivan Lessa. Pisoteado. É de histórias assim que se faz Ipanema, o livro. Histórias das mulheres, dos bares, das farras, dos doidões, das noites do bairro - um livro assumidamente bairrista, desde o texto de abertura: "Mas não eram só as garotas de Ipanema. Nossos tons e Vinícius eram os melhores tons e Vinícius do universo, nossos humoristas mais criativos, nossas bandas de Ipanema incomparáveis, nossos paulinhos mendes campos e carlinhos de oliveiras mais mendes campos e oliveiras que em qualquer outro lugar, nossos malucos mais malucos, nossos porres antológicos e até nossos mineiros e baianos muito melhores que os de lá, nossos cachorros mais inteligentes, minto, nosso cachorro, porque Barbado só teve um. ´Esse cachorro só não fala porque, se falasse, arrumavam emprego para ele´, dizia seu Victor, porteiro do edifício Paranoá, na Rua Jangadeiros, onde morava o escrivão juramentado Hugo Leão de Castro, aliás, Hugo Bidet, aliás, capitão Ipanema." Herói e inspirador - coisas que detesta - de todos os chargistas brasileiros surgidos a partir dos anos 60, de Cássio Loredano (cuja caricatura ilustra esta página) a Angeli, Jaguar é também, como se viu acima, um escritor de texto delicioso. Não quer ser herói nem inspirador, mas isso independe dele, que, se não é modesto, é o único a não enxergar que é ele o verdadeiro Capitão Ipanema.

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