Imagens sob a estética do limite

Organizador de mostra em Paris, Jean-Luc Monterosso sabe que escolheu um conceito polêmico ao falar de extremos

PUBLICIDADE

Por Cynthia Garcia
Atualização:

Nas últimas três décadas, a fotografia passou a ser vista como arte, está em galerias e museus, ganhou adeptos, colecionadores e valor no mercado das artes. Em parte, isso se deve à paixão pelo potencial narrativo do registro fotográfico do filósofo francês Jean-Luc Monterosso. Esse parisiense, que discorre sobre a imagem de forma contemporânea, mas poética, fundou o Mois de la Photo, em 1980 (leia texto ao lado), que nesta edição comemora 30 anos, e é um dos mentores do Mois Européen de la Photo. Dezesseis anos mais tarde, Monterosso inaugurou a Maison Européenne de la Photographie, ou la MEP, como é conhecida no meio, a qual dirige até hoje (www.mep-fr.org), que tem entre os membros do conselho o colecionador Gilberto Chateaubriand. Situado no Marais, em um prédio do século 18, o museu é ponto de referência dos debates em torno da imagem e abriga um acervo com 20 mil obras, o mais importante da Europa, entre fotografias e vídeos a partir da segunda metade do século 20, começando com a série icônica The Americans, do fotógrafo suíço Robert Frank. Até o dia 19 de dezembro, a MEP estará expondo a polêmica mostra Autour de l"Extrême (Em torno do Extremo), em Paris, que será exibida em meados de 2011 no Instituto Moreira Salles no Rio e em São Paulo, partindo depois para Milão. Sobre a exposição Autour de l"Extrême na MEP:"Escolhi um conceito meio problemático, o atrito que está na periferia das manifestações extremadas, um tema muito discutido na fotografia contemporânea. Não tratamos de forma óbvia, daí o tema Autour de l"Extrême, em torno do extremo. Algumas fotos fizeram escândalo na época e, hoje, são anódinas, outras provocarão sensações no futuro porque os limites do extremo são sutis e cambiantes. Não é um espetáculo conceituado na provocação, revelamos a estética do limite." Diálogos na exposição da MEP:"Exploramos confrontações e trocas entre as diferentes correntes. A foto tirada por um dos membros da equipe do avião Enola Gay no momento em que a bomba atômica atingiu Hiroshima está ao lado da imagem de Shomei Tomatsu (fotógrafo japonês que inspira seu trabalho nas consequências da explosão), um relógio achado a 700 m do epicentro, que cravou o horário preciso do choque. A imagem pioneira de Jean-François Bauret de um nu masculino para a publicidade de uma cueca causou furor em 1967, revistas se recusaram a publicá-la. Hoje, parece banal. Claudia Jaguaribe exibe uma Amazônia paradisíaca, que contrapusemos com áreas poluídas por detritos radioativos, nos Estados Unidos, da dupla Emmet Gowin, criando um diálogo de dois extremos da paisagem planetária. Martial Cherrier tem uma série sobre a transformação do próprio corpo, ele faz body-building e se autofotografa. Orlan também, mas ela se submetia a cirurgias estéticas numa crítica à padronização da beleza feminina, mas foram tantas que o médico a proibiu e agora ela usa o computador, como fez em Self-Hybridation em que pesquisa os conceitos da beleza feminina pré-colombiana. A beleza também tem seu lugar na morte como em Gilles and Gotscho (1992-1994) de Nan Goldin sobre um aidético terminal e seu parceiro, assim como no díptico de Andres Serrano sobre suicidas, The Morgue, Knifed to Death (1992). Mas também homenageamos o nascimento na visão do marroquino Touhami Ennadre." Fotografia brasileira em exposição:"Convidei como cocurador da mostra da MEP o fotógrafo e antropólogo Milton Guran, diretor da FotoRio. Gosto de um olhar duplo. Do Sebastião Salgado exibimos imagens sobre uma equipe que tenta apagar o fogo de um poço de petróleo no Kuwait. Temos os ianomamis em estado de transe por Claudia Andujar; o candomblé na visão de Pierre Verger; a série Memory Rendering de Vik Muniz e imagens de Miguel Rio Branco, Rogério Reis, Rodrigo Braga, até a "bicicleta" de Pelé flagrada por Alberto Ferreira num jogo em 1965."Mercado da fotografia contemporânea: "Nos anos 80, ocorreu uma cisão por parte dos fotógrafos que se diziam fotógrafos plásticos. Veio a invasão da fotografia digital, o desaparecimento das revistas tradicionais, o fim das agências de fotografia e muitos fotógrafos aderiram ao digital. Hoje, percebe-se que as barreiras artísticas estão caindo e se entrecruzando com a fotografia plástica, a foto conceitual, a publicitária, etc. O vídeo inicialmente criou um embate com a imagem fixa, agora muitos são, ao mesmo tempo, fotógrafos e videomakers. Com um mesmo aparelho criam imagens em movimento e fixa, e ainda fazem instalações, pintura, usam som, dança, etc., nos seus trabalhos. Temos os países emergentes que dão contribuições importantes, a China, o Brasil e os países da Europa central. É um cenário de grande liberdade com muita criatividade."Nitrato de prata:"Os papéis especiais estão desaparecendo, a película de filme também, a Polaroid ficou obsoleta. Por sua vez, a câmera digital está cada vez mais sofisticada. A digigrafia (técnica de impressão com jato de tinta) está substituindo o laboratório e ainda possibilita que a tiragem se conserve por mais de 150 anos, diferente da revelação em nitrato de prata, que se transformava continuamente com a luz. Mas era um processo artesanal, até poético, não? Na França, restam dois ateliês que trabalham com o daguerreótipo, mas para que a técnica perdure é preciso que o papel e a película estejam disponíveis no mercado. Helmut Newton (1920-2004) me confidenciou que o icônico díptico das modelos nuas e vestidas, Naked & Dressed, de 1981, que faz parte do acervo da MEP (exposto em "Autour de l"Extrême"), não existiria se fosse feito hoje porque não se encontra nem o laboratorista nem o papel. É inevitável que esses processos desapareçam, mas isso converte a fotografia de nitrato de prata em objeto de coleção."CYNTHIA GARCIA, JORNALISTA E ESCRITORA, É FORMADA EM HISTÓRIA DA ARTE E ARTES PLÁSTICAS PELO FLEMING COLLEGE FLORENCE (FLORENÇA, ITÁLIA). VIAJOU A CONVITE DO MOIS DE LA PHOTO E DA MAISON EUROPÉENNE DE LA PHOTOGRAPHIE N

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.