Galeria São Paulo fecha as portas

Depois de 21 anos com a mesma disposição para lançar artistas e criar polêmicas, a marchande Regina Boni resolveu sair de cena. Diz que hoje "está tudo igual"

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Por Agencia Estado
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Foram 21 anos comprando e vendendo arte, colecionando quadros e esculturas, ódios, invejas e admiração. No próximo mês, uma das personagens mais polêmicas e apaixonantes do circuito artístico de São Paulo fecha as portas da mais importante galeria de arte da cidade nos anos 80. A marchande Regina Boni, 58 anos, avisa: "A Galeria São Paulo cumpriu sua função. Fiz meu papel, mas cansei. Envelheci e nada hoje me parece novo. É tudo igual." Regina, cujo Boni do sobrenome foi incorporado de seu primeiro e único casamento com José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o ex vice-presidente de Operações da Rede Globo, entrou para a história e o folclore do mundo das artes plásticas brasileiras em 1981, quando inaugurou um novo conceito de galeria - localizada em um arrojado sobrado na Rua Estados Unidos, nos Jardins - e uma nova atitude entre os marchands da cidade. Exigia exclusividade dos artistas com quem trabalhava, possuía uma agenda de clientes valiosíssimos - entre os quais, Roberto Marinho e Olavo Setúbal - e não segurava a língua para espinafrar ou malhar colegas. Em pouco tempo, tornou-se a mais temida, odiada e admirada marchande do País. "Fiz sucesso como galerista e isso ninguém pode contestar", disse ao JT, em sua sala na Galeria São Paulo. Na mesma proporção em que cresciam seu poder e êxito, aumentava o número de artistas e colegas que se engalfinhavam com ela. Tornou-se histórica a briga que teve com o videomaker Tadeu Jungle, que, num artigo, a classificou de desequilibrada depois que Regina cancelou uma exposição dele na véspera do vernissage. Outro caso rumoroso protagonizado por ela foi a da tentativa de venda, em 1987, da tela Abaporu, de Tarsila do Amaral, que pertencia ao colecionador Raul Forbes. Na época, Regina estabeleceu como valor mínimo para o leilão do quadro US$ 2 milhões, cifra impensável para uma obra brasileira. Ninguém arrematou a tela. A marchande assegura que os escândalos ficaram no passado e espera ser lembrada como peça fundamental na consolidação do mercado de artes, que engatinhava quando ela abriu a galeria. Regina também foi uma das responsáveis pela consagração do artista plástico Hélio Oiticica. Em 1986, ela parou os Jardins ao promover um desfile de passistas da Mangueira vestidos com parangolés. Oiticica teve outras duas individuais na galeria, antes da 22.ª Bienal de São Paulo dedicar-lhe uma sala especial. A paixão da galerista por Oiticica vem dos anos 60, quando Regina era artista e consultora de moda. Naquela época, ela rompeu pela primeira vez com Boni, com quem teve dois filhos, Boninho, diretor de núcleo da Globo, e Regina Helena. O casamento sobreviveria a duas outras crises antes de terminar. Naquele período, Regina conheceu e se tornou amiga dos baianos da Tropicália e começou a fazer roupas para Gil, Caetano e Gal. Na apresentação de É Proibido Proibir, durante o 3.º Festival Internacional da Canção, em 1968, Caetano apareceu vestido com um modelo feito de plástico desenhado pela amiga, que ficou conhecida como a estilista dos tropicalistas. Com faro para negócios, Regina aproveitou e abriu uma butique lendária na década de 70, Ao Dromedário Elegante, localizada na Rua Bela Cintra. Fez teatro com Antunes Filho e foi figurinista na novela A Cabana do Pai Tomás, da Globo. Queria seguir carreira na emissora, onde o marido se tornara um dos principais diretores, mas alega que o sobrenome a impediu. Em meados da mesma década, ela se aproximou das artes plásticas e chegou a freqüentar a Escola Brasil, famoso ateliê comandado pelos artistas José Resende, Carlos Fajardo, Frederico Nasser e Luiz Baravelli. Depois de ter deixado de lado as pretensões como artista plástica e abrir a Galeria São Paulo, Regina levou Baravelli com ela. O fato de ter acompanhado a geração que se iniciava na arte em 70 levou a marchande a selecionar um time de artistas que se consolidariam, em boa parte graças a ela, na década seguinte. "Nos anos 80, havia dinheiro no Brasil. Ganhei muito, os artistas ganharam e os clientes também", diz Regina. "Depois mudou. Nos anos 90, os marchands perderam o poder para os curadores, essa espécie que precisa ser estudada. Os curadores decretaram o fim dos quadros e da escultura, e o que temos hoje são essas instalações horríveis. As pessoas estão sem dinheiro, mas os galeristas e artistas continuam com os preços nas alturas." Além de razões sociais e econômicas, a saída de cena de Regina Boni tem também motivos pessoais. Há três anos, os médicos diagnosticaram uma hérnia de hiato na galerista. O que parecia um simples problema, se agravou e a levou a uma romaria por hospitais e clínicas. "Nos últimos anos, meu sistema imunológico faliu e eu pegava qualquer doença. Essa proximidade com a morte fez com que eu repensasse muito a minha vida. Hoje quero me afastar e dedicar mais tempo a mim." Regina jura que há muito tempo não se mete mais em polêmicas: "Deixei que as pessoas me batessem até se cansarem". Ela quer vender a galeria e estima que o imóvel, de cerca de 400 metros quadrados, esteja valendo R$ 500 mil, mas manda avisar que não vai se afastar do mercado de artes plásticas. "Vou continuar com meu escritório, com alguns artistas e clientes." Antes de trancar as portas, ela quer dar uma grande festa, "com alguns amigos que fiz nesses 21 anos e que tenham a ver com a galeria". O espaço será pequeno, então? "Nada disso", ela responde. "No máximo umas cem pessoas."

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