– Posso lhe pedir uma coisa?
– Claro, fofo.
– Não me chama mais de fofo.
– Ai, fofo! Por quê?
– Porque eu não quero mais.
– Mas fofo...
– É ridículo.
– É um apelido carinhoso. Por que você nunca reclamou, antes?
Era verdade. Todos aqueles anos sendo chamado de fofo, desde o tempo de namorados, e Valdir nunca se queixara. E agora aquela rebelião.
– É o efeito cumulativo, entende? – disse Valdir, sem certeza se “cumulativo” estava certo. – Não quero mais.
– Mas todo o mundo chama você de fofo.
– Chamam porque você chama. É gozação. Devem rir muito de nós, nas nossas costas. Devem pensar que eu também chamo você de fofa, na intimidade. Para eles, somos “os fofos”.
– Você nunca me chamou de fofa.
– Porque nós não somos fofos, Eunice. Somos de uma raça cheia de defeitos, condenada ao desespero e à morte, sem nada que nos salve. Nosso caráter é inconfiável, nosso destino é trágico, somos tudo menos fofos.
– Valdir, eu nunca vi você amargo assim!
– Pois agora está vendo como eu não sou fofo. Ninguém é fofo.
– Mas você não acha que a gente deveria... deveria...
– Deveria o que, Eunice?
– Deveria viver como de fôssemos fofos? Pelo menos um para o outro?
– Você quer dizer viver uma mentira?
– Não, mas também não desistir. Se fingir de fofos para não acabar desse jeito, amargos como você, depois de 35 anos.
– A vida é um absurdo e nada faz sentido.
– Viu só como você ficou, fofo?
– Fofo não.
– Como é que eu posso chamar você, então?
– Dico.
– Dico?!
– Era como a minha mãe me chamava...
– Dico. E olha aí, você ficou comovido! Que fofura.