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Eu, empregada doméstica

Por Vanessa Barbara
Atualização:

Na terça-feira passada, a professora de história Joyce Fernandes (que também é rapper e atende por Preta-Rara) compartilhou nas redes sociais alguns relatos de humilhação que sofreu enquanto era empregada doméstica em Santos. Imediatamente ela começou a receber uma enxurrada de depoimentos no celular, motivo pelo qual decidiu criar uma página no Facebook: “Eu, Empregada Doméstica”, que foi ao ar no dia seguinte. Foram mais de 40 mil curtidas em menos de 24 horas. E as colaborações têm se multiplicado. São relatos de trabalhadoras obrigadas a limpar janelas com cotonete, que têm uma banana descontada de seus salários e que precisam conviver com patrões abusivos andando de cueca pela casa, enquanto as chamam de vagabundas. Os exemplos mais comuns são os de patroas que dizem que as consideram “praticamente da família”, mas as fazem comer na mesa da cozinha ou lhes designam pratos e talheres diferentes. Ou não a consideram boa o suficiente para beber água mineral. Em um dos exemplos, uma empregada doméstica de 76 anos que trabalhava num prédio de luxo teve de subir vários andares de escada porque o elevador de serviço havia quebrado e as empregadas não podiam usar o social. Em outro, o filho de uma doméstica diz que, aos 6 anos, ia junto com a mãe para o trabalho, mas que, na hora das refeições, a patroa dava comida às escondidas para o filho – só para eles não pedirem também. “Certa vez eles deixaram uma caixa de bombom em cima da mesa de manhã e no final do dia contaram quantos bombons tinha na caixa na nossa frente para ver se tínhamos comido algum”, relata.  Uma moça chamada Aryane (e que é chamada pela patroa de Arene) conta que a dona da casa pediu que preparasse duas lasanhas para ela e as filhas almoçarem. Terminada a refeição, ela pediu: “Guarde o que sobrou na geladeira. Se for almoçar tem salsicha e ovo”. Ou seja: em sua condição de serviçal, Aryane só merecia salsicha e ovo. E água da torneira. E elevador de serviço. Para a criadora da página, o importante é acabar com a naturalização dos abusos que as domésticas enfrentam. Num dos posts, ela transcreve o que ouviu de uma patroa: “Você foi contratada para cozinhar para a minha família, e não para você. Por favor, traga marmita e um par de talheres e se possível coma antes de nós na mesa da cozinha”. E acrescentou: “Não é por nada, tá, filha? Só para a gente manter a ordem da casa”. Segundo Joyce, em entrevista para a BBC Brasil, a profissão de empregada doméstica deveria acabar, pois se trata de um resquício da escravidão. “Mas enquanto isso não acontece, temos de lutar por um tratamento mais humano e igualitário. Não queremos ser da família. Também não queremos desrespeitar hierarquia. Queremos apenas um tratamento justo”, diz.

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