Estilista Jeremy Scott fala da pressão da indústria e do imediatismo do mercado

'O que adianta ser sucesso de crítica e não vender?', diz o estilista americano, diretor criativo da grife Moschino, em visita ao Brasil

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Por Giovana Romani
Atualização:

Anitta estava lá. Sabrina Sato e os badalados DJs americanos Diplo e Skrillex, que vieram ao Brasil para se apresentar no Lollapalooza, também. Em visita a São Paulo para lançar sua coleção de sapatos em parceria com a marca Melissa, o estilista Jeremy Scott armou uma superfesta na boate paulistana Pan Am na noite de terça, 15, e mostrou que não cansa de ser pop. Aos 40 anos, ele costuma reunir uma turma animada por onde passa - é amigo de Miley Cyrus, Katy Perry e Rihanna, só para ficar nas mais famosas. É em clima de diversão que o estilista comanda a marca homônima, cujas coleções sãodesfiladas na semana de moda de Nova York, e a direção criativa da italiana Moschino.

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Na última apresentação da grife, em Milão, por exemplo, levou um vestido candelabro para a passarela. A imagem do modelo tomou conta das redes sociais, mas dividiu os jornalistas de moda. “O que adianta ser sucesso de crítica e não vender roupas?”, questiona. Apesar de ser um criador passional, Scott tem tino para os negócios. Há dois anos, quando assumiu a Moschino, implantou de modo pioneiro o modelo de negócio em que as peças são vendidas logo após o desfile, prática que chega à semana de moda paulistana na próxima temporada.

O estilista também sabe fazer de si mesmo uma celebridade exuberante, cheio de histórias para contar. Algumas delas integram o documentário “Jeremy Scott, o Designer do Povo”, lançado no ano passado nos Estados Unidos, que deve chegar em breve à Netflix. O filme mostra a trajetória dele desde a infância, em uma fazenda em Kansas City, no estado de Missouri, um cenário pacato para um garoto que já nasceu excêntrico. Scott formou-se estilista no Pratt Institute, no Brooklyn, e desde o início da carreira apostou em coleções provocadoras, com referências da cultura pop e da sociedade de consumo. “Sempre gostei de me vestir diferente e fazer coisas diferentes. É parte de quem eu sou”, disse, em entrevista exclusiva ao Estado, concedida em São Paulo. Sobre pressão, inspiração e o imediatismo da moda hoje, o estilista fala a seguir.

'Se o mercado está pedindo, preciso responder. O problema seria se rejeitassem meus produtos' Foto: GABRIELA BILO | ESTADAO CONTEUDO

Hoje se fala da pressão sofrida pelos estilistas em relação a demandas e prazos apertados. Como você lida com ela?

Não sinto tanto, pois realmente gosto do que faço. Claro que às vezes é irritante, mas entendo que faz parte do jogo. Só na Moschino, por ano, tenho dois desfiles femininos, dois masculinos, a coleção resort, a de preços mais baixos, a infantil… Aí tenho todas as coleções da minha marca própria, as parcerias, os figurinos que crio para Katy Perry. Tem muita coisa acontecendo, mas amo meu trabalho e reclamar seria tosco. Se o mercado está pedindo, preciso responder. O problema seria se estivessem rejeitando meus produtos.

Você já disse que roupas não precisam ser levadas tão a sério. Essa ideia ajuda a não sucumbir?

Claro. Moda é paixão, diversão, mas, no fim das conta,s são apenas roupas. Ninguém precisa de mais roupas. Tento fazer as pessoas quererem peças novas porque elas nunca as viram antes. Ainda assim são apenas roupas. Ninguém está vivendo ou morrendo por elas.

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Como divide seu tempo e suas inspirações entre a Moschino e a Jeremy Scott?

Não penso muito em quanto tempo gasto nisso. Óbvio que é muito, que sou devoto ao meu trabalho, mas me divirto. Penso nas minhas coleções como duas linhas de metrô, a Jeremy e a Moschino, que podem até parar na mesma estação, mas seguirão caminhos distintos. Apesar de serem diferentes, elas partem de um mesmo ponto, que sou eu.

E como é essa divisão em termos práticos?

Vou muito para Milão para provas de roupas da Moschino. Mas consigo resolver muita coisa de Los Angeles, onde moro. Há meses em que rodo por vários lugares. Agora estou no Brasil, depois vou para Dallas, para o lançamento do meu livro e um evento da Moschino. Na sequência, estarei em Kansas City, minha cidade natal, para exibir meu documentário e receber a chave da cidade. Minha mãe vai ficar orgulhosa! De lá sigo direto para Los Angeles, pois à noite dou uma superfesta no festival Coachella.

Quem vai estar lá?

A pergunta certa é: quem não vai estar lá? (risos)

A indústria discute agora se as peças devem ser vendidas logo após os desfiles. Acha que a moda caminha para isso?

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Quando comecei na Moschino lançamos uma coleção cápsula que estava à venda online logo depois do show e, nas lojas, no dia seguinte. Começamos com dez lojas. Na temporada seguinte, já eram 200, o que prova o sucesso desse modelo. As pessoas acabaram de ver as peças e estão loucas para comprar. Por que não deixá-las ter pelo menos algo imediatamente? Se a empresa tem capacidade para fazer, acho ideal. É para aí que a moda caminha. Não dá mais para esconder os desfiles. Com as redes sociais, quanto mais você esperar, antes a coleção vai expirar, menos as pessoas vão desejá-la.

Há ainda a questão das cópias.

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Claro. Se você não fizer logo, alguém vai fazer. Tenho sentimentos confusos quando vejo uma cópia do meu trabalho. Às vezes me sinto lisonjeado, mas na maioria acho injusto. Porém faz parte do business. Por que decidiu realizar a parceria com a Melissa?  Primeiro, porque trata-se do maior fabricante de calçados plásticos do mundo. Nunca tive a chance de trabalhar com esse material que adoro porque não tinha o know how. Depois, vejo como uma forma de me aproximar dos meus fãs brasileiros. Por causa de impostos e taxas de importação, é muito difícil para marcas de alto luxo entrar no Brasil e, assim, consigo chegar mais perto de quem gosta do meu trabalho.   

Considera importante fazer um luxo acessível?

É crucial. Foi o que conduziu minha coleção para a Adida e para a Melissa: ter preços acessíveis sem comprometer a qualidade do meu trabalho. O produto, mesmo sendo mais barato, não é ruim, pelo contrário. O que não acontece no fast fashion. Nunca fiz uma linha para uma rede porque acho que poderia comprometer a qualidade e isso não está em questão para mim. Sempre me preocupo em fazer coisas menos caras. Na Moschino, por exemplo, tenho cases de iPhone e itens possíveis de comprar. É o que posso fazer. Infelizmente não posso controlar toda a cadeia - há muita coisa envolvida na produção de roupas na Itália que torna os preços exorbitantes. Mas tento fazer com que mais gente tenha acesso a isso de alguma forma.

Sua moda divertida recebe muitas críticas. Como as recebe?

Tento não ler muito as críticas porque não importa se me amam ou se me odeiam. Vou continuar fazendo o que acredito, entregando o que meus fãs e clientes gostam. Também não me envaideço quando recebo elogios nos jornais. O que adiantar ser sucesso de crítica e não vender roupas? Para mim, importa alcançar as pessoas em uma grande escala sem comprometer minha personalidade. Meu desafio é não perder a essência para agradar.

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Quais estilistas você admira?

Aqueles que conseguem criar um universo próprio, como Martin Margiela, Thierry Mugler e Jean Paul Gaultier . Meu maior objetivo como estilista é criar um mundo que as pessoas identifiquem como meu.

Como foi vestir Madonna para o Baile do Met do ano passado? Um sonho. Cresci amando e me inspirando em Madonna. Ela estava linda aquela noite e me falou coisas lindas. Disse que amou o vestido e que foi um dos mais icônicos que já havia usado. Isso vindo de uma popstar que já vestiu de tudo. Eu me senti tão abençoado. Foi uma noite mágica que não queria que terminasse.

O que ainda falta conquistar?

Desejo criar mais. Também quero atuar no cinema, fazendo figurinos ou até dirigindo.