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Escravos abriam poupança para pagar alforria

Salvador expõe raras cadernetas de escravos que guardaram suas economias na Caixa com o objetivo de comprar sua liberdade, na segunda metade do século 19

Por Agencia Estado
Atualização:

A caderneta de poupança sempre foi o meio preferido pelos brasileiros para guardar suas economias. Para os escravos brasileiros, ela alimentou sonho maior. Com a aquiescência do governo imperial, os cativos puderam, a partir da promulgação da Lei do Ventre Livre (1871), abrir um pecúlio na Caixa Econômica com o objetivo de usar os recursos na compra da carta de alforria. Três dessas cadernetas estão expostas no Conjunto Cultural da Caixa de Salvador. São documentos raros: existem apenas 85 cadernetas do tipo em todo o Brasil. Essa escassez é efeito direto da ação do primeiro-ministro da Fazenda da era republicana, Rui Barbosa, que em 1890, dois anos após a abolição, ordenou que se recolhessem os documentos da escravatura em órgãos de sua pasta para serem queimados no Rio. A medida, além de tentar "apagar" da memória a mácula vergonhosa da escravidão, que durou mais de 300 anos no País, procurou livrar o governo de eventuais processos de indenização movidos pelos antigos donos de escravos. Graças à gerente do conjunto cultural, Ana Zalcbergas, que requisitou as três cadernetas do Museu da Caixa em Brasília, é possível conhecer parte da história. Os documentos ficam expostos até o fim do mês em Salvador. Elvira, descrita na caderneta aberta em Cuiabá, em 1877, como "crioula (negra nascida no Brasil), escrava de João Cerqueira Caldas", inaugurou seu pecúlio com 50 mil réis. Fez vários depósitos até juntar 642 mil e 100 réis em 1884, quando encerrou a conta para comprar a carta de alforria. A "parda" Leocádia, escrava do capitão Miguel Ângelo de Oliveira Pinto, abriu o pecúlio em Cuiabá, em 1876, com 50 mil réis e sacou o dinheiro que tinha em 1880, 61 mil réis. A terceira caderneta é do "escravo de nação" Augusto, que a abriu em 1866, com 1 mil réis. Conseguiu juntar apenas pouco mais de 4 mil réis e encerrou a conta no mesmo ano. Alguns senhores de escravos procuraram tirar vantagem da situação. Um desses foi o tenente José da Silva Rondon, de Cuiabá. Ele incentivou a escrava Joana a iniciar o pecúlio em 1884. Até 1887 ela conseguiu amealhar 600 mil réis, que entregou a Rondon em troca da liberdade. Se tivesse esperado mais um pouco, Joana não teria o prejuízo: menos de um ano depois, a princesa Isabel assinou a Lei Áurea.

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