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Empresários da moda tomam partido no futuro político da França

Enquanto o país aguarda o embate entre Macron e Le Pen nas urnas, estilistas defendem suas posições

Por Maria Rita Alonso
Atualização:

PARIS - Karl Lagerfeld olhou para o Olimpo grego, com deusas e ninfetas da Antiguidade, para criar a coleção mais cheia de frescor dos últimos anos, desfilada na quarta, 3, em Paris. Enquanto isso, a cidade fervia acompanhando o debate televisivo entre os candidatos Emmanuel Macron e Marine Le Pen. O segundo turno da eleição é neste domingo, 7, e o destino da alta moda mundial, berço de companhias gigantes do luxo, está, de certa forma, em jogo. De um lado, temos Macron, representante do globalismo, defensor da União Europeia e das fronteiras abertas. Totalmente alinhado com os interesses das grifes francesas, que atuam no mundo todo. Do outro está Le Pen, com discurso nacionalista e radicalmente contra o euro.

Bernard Arnault, diretor da LVMH, que controla a Louis Vuitton e a Givenchy, entre outras grifes, e é o homem mais rico da França, já declarou seu voto a Macron. O estilista da Balmain, Olivier Rousteing, postou uma foto do candidato em seu Instagram. Pascale Mussard, uma das herdeiras da Hermès, também deu uma entrevista ao site Business of Fashion dizendo-se entristecida com a possibilidade de Le Pen vencer as eleições. Enquanto isso, o presidente de moda da Chanel, Bruno Pavlovsky, foi mais diplomático. “O mercado de luxo tem um papel fundamental na França e nós esperamos ser apoiados pelo próximo governo, seja ele qual for.”

Chanel e a Antiguidade. Grife desfila coleção Cruise, inspirada no período clássico da Grécia, no Grand Palais, em Paris Foto: Benoit Peverelli

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Nesse purgatório pré-eleitoral, momento de absoluta reflexão, no qual o futuro da Europa está prestes a ganhar novos contornos, Lagerfeld decidiu buscar inspiração no passado. Depois de colocar um foguete espacial na passarela, no desfile de prêt-à-porter de inverno, em outubro de 2016, ele agora se apoiou na gloriosa estética da Antiguidade grega para criar uma moda atemporal. Investiu em silhuetas helênicas, fluidas e frescas, com drapeados em jersey, seda e crepe. Vestidos e saias de tweed leve, com corte seco e minimalista, quase espartano, surgiram ao lado de gladiadoras. “Estou sugerindo voltar no tempo para avançar. Para criar o futuro, você tem que prestar atenção no passado.”

Enfeites de cabelo remetiam às coroas, as estampas traziam folhas de louro. Para completar, acessórios, como pulseiras e braceletes, davam um toque sofisticado e sexy aos looks. A bolsa do momento recebeu o nome de Gabrielle, em homenagem à fundadora da grife, Gabrielle Chanel, e ganhou formato de saco. É um item mole e simples. O charme está no couro com efeitos marmorizados ou motivos de vasos antigos. Na plateia, atrizes como Isabelle Huppert, Keira Knightley e Liu Shi Shi já carregavam versões diferentes do modelo e atraíram os flashes. Outro convidado que causou frisson na primeira fila do desfile foi o cineasta Pedro Almodóvar.

Nos bastidores, uma segunda questão política agitou o evento. Isso porque, normalmente, a coleção Cruise é apresentada em destinos de férias. Nos últimos três anos, a comitiva da Chanel reuniu jornalistas, clientes, atrizes e cantoras em Dubai, na Coreia do Sul e em Cuba, trazendo roupas inspiradas nas respectivas culturas, com elementos que remetiam às paisagens, aos trajes típicos e às linhas arquitetônicas de cada um desses lugares. Dessa vez, o desfile foi em Paris a pedido da prefeita Anne Hidalgo. Em outubro, ela reuniu representantes das grandes marcas francesas e colocou em pauta a necessidade de ajudar a cidade a estancar a queda brusca nos números do turismo local depois dos atentados terroristas. 

A Chanel se comoveu. Decidiu trazer para o Grand Palais o desfile de sua coleção Cruise (voltada para a temporada de verão) e anunciou a doação de mais de 5 milhões de euros para o museu Palais Galliera. Em um espaço de 7.200 m², será montada uma exposição permanente sobre a história da moda do século 18 até os dias de hoje, com 200 mil peças (incluindo roupas, acessórios, fotografia e arte gráfica de várias marcas). O projeto também prevê a criação de uma oficina de estudos e uma livraria. O piso térreo do museu continuará a ser dedicado a mostras temporárias de estilistas e artistas. “Com esse patrocínio, vamos conseguir inaugurar o primeiro acervo permanente do segmento em um grande museu e provar mais uma vez que Paris é o lar da moda”, declarou a prefeita Anne Hidalgo.

Haverá também um espaço dedicado exclusivamente ao acervo de Gabrielle Chanel, a fundadora da maison. Sua vida pessoal e criativa foi marcada por transgressões que ajudaram a manter o reinado da cultura francesa em um bom pedaço do século 20. Coco, como a estilista era conhecida, estava na vanguarda ao abolir o espartilho e introduzir o preto, a cor do luto, no vestuário do dia a dia, tornando o ‘pretinho básico’ uma espécie de instituição da mulher moderna. Foi dela a petulância inicial de vestir e popularizar as calças compridas femininas, privilégio até então de homens adultos. É ainda tida como a inventora oficial da bolsa a tiracolo, feita sob medida para a mulher ativa e independente que surgia no final dos anos 1940. “Moda não é algo que existe apenas em vestidos. A moda tem a ver com ideias, com a maneira como vivemos, com o que está acontecendo no mundo”, disse Chanel, em uma citação que acabou ficando famosa. 

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