DO PALCO PARA O MUSEU

Peça de autor britânico acontece dentro de uma exposição

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Por Maria Eugenia de Menezes
Atualização:

A arte liberta as coisas de serem o que são. No palco, uma cadeira não precisa ser representada por uma cadeira, um homem não tem que ser necessariamente um homem, um galho seco pode ocupar o papel de uma árvore. O teatro, contudo, tem abdicado desse poder, acredita o autor britânico Tim Crouch. É essa capacidade que ele tenta retomar em Inglaterra - Versão Brasileira, espetáculo que estreia amanhã no Sesc Belenzinho e será apresentado não em uma sala de teatro, mas dentro de uma exposição. Nessa encenação, dirigida por Bel Garcia,os espectadores tomam o lugar de visitantes da mostra SP-Rock-70-Imagem, realmente em cartaz no local. E os atores - Maíra Gerstner e Pedro Brício - assumem a função de guias de museu. "Aqui, e em todo meu trabalho, eu tento mostrar quão pouco é necessário para criar esse mecanismo de tornar algo real", disse o autor ao Estado. "O problema do teatro é que existe um movimento para tornar todas as coisas parecidas com o que dizemos que são. E esse impulso figurativo não me interessa."A aproximação entre drama e arte conceitual é uma constante na obra de Crouch, que já teve outros dois trabalhos exibidos no Brasil: My Arm e An Oak Tree. Mas atinge, segundo alguns críticos, seu ponto máximo em Inglaterra. "A arte só existe quando uma coisa está no lugar de outra. O que o teatro mostra não é verdadeiro ou real, no sentido físico. O ator não é o personagem, o cenário não é o lugar onde a história se passa", acredita Crouch. "Para que essas coisas sejam reais, precisamos que o público as aceite como verdade. Todo o processo de fazer teatro acontece na cabeça do espectador. E é por depender disso que o teatro é absolutamente conceitual."Será durante uma visita guiada pela galeria de arte que a trama vai se desenrolar. Enquanto apresenta as fotografias expostas, o guia relata ao público sua história: por conta de um grave problema no coração, ele teve que fazer um transplante. Para agradecer à viúva de seu doador, viajou até o Paquistão para entregar-lhe uma valiosa obra de arte. Sua vida, afinal, só havia sido salva graças a uma transação comercial, feita pelo seu rico namorado, um marchand. Estamos diante de um personagem envolvido com o tráfico internacional de órgãos. Confrontado com o poder do dinheiro, abismado diante do imenso vão - social e econômico - que existe entre ele e o homem que lhe doou o coração.É nesse ponto que, para além de experimentos formais e estéticas, se evidencia o caráter político dessa obra. Às investigações do dramaturgo sobre o lugar do espectador no teatro contemporâneo, somam-se questionamentos sobre transações comerciais: na vida e na arte. "O teatro morre a cada apresentação. As artes visuais, porém, retêm um valor. É algo a ser vendido, comprado. Na minha peça, um homem viaja milhares de quilômetros para dar a uma mulher uma obra de arte em troca da vida de seu marido. Isso suscita questões éticas", considera Crouch. "Algumas obras de arte são tratadas de forma muito mais criteriosa do que vidas humanas. Galerias são como hospitais, garantindo a sobrevivência de obras de arte e aumentando seu valor financeiro." A peça foi montada pela primeira vez em 2007, na Fruitmarket Gallery em Edimburgo, onde acontecia uma exposição de Alex Hartley. Desde então, já ocupou museus distintos ao redor do mundo. E costuma ter, relata o criador, seu sentido afetado em cada um dos ambientes em que é vista. Como se cada nova exposição funcionasse, de fato, como um novo personagem. "Espero ter escrito um texto suficientemente aberto para se relacionar com as obras ao redor. Nós nos apresentamos, por exemplo, no Museu Andy Warhol, nos EUA. O trabalho de Warhol é sobre comércio, reprodução. E, ali, esses se tornaram também temas do espetáculo."

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