Volta e meia me deparo com o que apelidei de síndrome de Frank Sinatra, por ter assistido o cantor ao vivo no fim da vida. Era um show no Radio City Music Hall e Sinatra tinha dificuldade de atingir as notas, além de estar mais vulnerável ao habitual copo de Jack Daniels que não largava. Explico: Frank Sinatra só aportou em nossas praias, em 1980, quando seus melhores anos como artista já estavam para trás. Não é raro importarmos cultura e costumes com atraso e parte da nuance se perder pelo Atlântico ou Pacífico antes do desembarque. Somos mais extremistas na adesão às redes sociais. Colorimos livros com mais ganas e, assim, pulamos a etapa de ler livros. Nos anos 1970, passamos do analfabetismo a telenovelas que discutiam Freud. Não é à toa que um surfista carioca dirá que alguém surtou, sem saber que está se referindo ao jargão da psiquiatria para psicoses.
E não é diferente quando se trata de importação ideológica. À distância, boa parte do que vejo descrito como direita ou esquerda no Brasil chamaria simplesmente de tosco. Luiz Inácio Lula da Silva e José Dirceu têm estilos de vida mais burgueses, na acepção comum da palavra, do que certos bilionários escandinavos. Atribuem a eles cozinhas, em imóveis que despertam atenção de investigações por suspeita de terem sido adquiridos com o seu dinheiro, reformadas por terceiros no zelo kitsch perdulário que faria a alegria das pioneiras emergentes da Barra da Tijuca carioca. Pedir ao povo para continuar se endividando para comprar eletrônicos nunca seria qualificado como esquerda, seja nos anos 1950, em Moscou, seja em 2016, em Hamburgo.
Já a nossa famigerada direita que clama por militares seria escorraçada pela direita estabelecida em cidades como Nova York, Paris, Londres. Regurgita meritocracia na ignorância da manipulação da palavra, sem compreender a diferença entre mérito e darwinismo social. Há, no entanto, um território comum entre esses uísques paraguaios da polarização: o conservadorismo.
Acreditem, é cansativo participar de um jantar com liberais nova-iorquinos e explicar que muito do que se passa no Brasil não é de esquerda ou tampouco progressista. A simplificação bipolar não é nosso monopólio. É comum um interlocutor gringo supor que, se não defendo a cleptocracia do Partido dos Trabalhadores, estou automaticamente defendendo o apoio de Ronald Reagan à guerrilha dos Contras na Nicarágua e o exemplo aqui é proposital: pertence às gavetas mentais da Guerra Fria.
Nos feriados de fim de ano, mergulhei em dramas de televisão que se passam nas décadas anteriores ao colapso da União soviética. O melhor é The Americans, cuja quarta temporada começa aqui em março. É meu drama preferido hoje na TV por mais de um motivo. Trata do período em que atravessei a universidade cercada de clichês da esquerda e, em seguida, comecei no jornalismo, numa editoria internacional. O roteiro e os atores magníficos expressam intensamente o conflito entre o pessoal e o político, a compaixão seletiva, a delegação ética e moral ao sistema – neste caso, à KGB dos protagonistas e ao FBI do agente que os persegue. Em The Americans, os dois lados da Guerra Fria se agridem, fazem sexo, sucumbem à mesquinhez, mas praticam todo tipo de atrocidade em nome de um coletivo. O que está longe de significar que torturam, matam e seduzem por pura convicção. A dramaturgia da espionagem na guerra fria é rica na representação da complexidade da vida em compartimentos psicológicos.
Assistindo a reprises de The Americans e assistindo a pronunciamentos de Brasília, lembro que a série é sobre o confronto de duas ideias e o duelo da propaganda. Brasília, hoje, é sobre o vácuo de ideias e o marketing.